"A decisão de
estacioná-lo para sempre não foi de repente. Eu estava ensaiando há algum
tempo. Fui algumas vezes para o trabalho de bicicleta, mas acabava usando o
carro para todo o resto. Ele precisou dar os últimos suspiros para me alertar
que não aguentava mais e que uma nova vida nos esperava. Fiquei por alguns
segundos segurando o volante, olhos umedecidos tentando organizar os
sentimentos. No início, senti raiva, logo depois tristeza, gratidão e por fim a
aceitação. Fiz um carinho nele, uma lágrima caiu, saí de dentro, tranquei a
porta e parti”.
Foi assim que a
artista Carol Oliveira, 31 anos, decidiu mudar sua forma de deslocamento na
cidade. O depoimento, postado em rede social, ganhou visibilidade, apoio e uma
rede de adeptos. Atualmente, três meses depois, a moradora de Brasília diz não
se arrepender.
“Não tenho mais
gastos com gasolina, nem aborrecimentos com manutenção. Eu não pego trânsito e
ainda me exercito com a bike. Estou com as pernas bem mais firmes. Quando vou
para mais longe pego ônibus ou carona”. O hábito, segundo ela, também tem
ajudado a conquistar amigos. “Consigo arrastar vários deles para andar comigo
pela cidade”, comemora.
Carro é um dos meios de transporte mais usados pelos brasileiros Arquivo/Agência Brasil |
Apesar de prático,
eficiente e cômodo, o automóvel particular é um meio de transporte de custo
elevado: na conta entram impostos, combustível, estacionamento, seguro e custos
de manutenção.
O carro também
prejudica a saúde (por colaborar para o sedentarismo), o estresse e a
intoxicação, segundo a Organização Mundial da Saúde. Cerca de 3 milhões de
mortes por ano podem ter como causa a exposição à poluição.
O uso demasiado dos
carros particulares provoca ainda congestionamentos, o que prejudica a
produtividade e promove desgaste: 48% dos paulistanos gastaram, em 2015, pelo
menos 2 horas por dia em seus deslocamentos, segundo pesquisa da Rede Nossa São
Paulo.
Essas são as razões
levantadas pelo movimento que propõe o Dia Mundial Sem Carro, celebrado no dia
22 de setembro há pelo menos 20 anos, em crescente número de cidades do mundo.
A data, criada na França em 1997, incentiva o uso de meios alternativos de
transporte e medidas de apoio para seus usuários, transporte público de
qualidade, carona solidária e ciclovias.
Ao contrário do
carro, a bicicleta é um meio econômico, limpo, saudável, prático, integrativo,
silencioso e rápido para pequenos deslocamentos. No entanto, ainda enfrenta
desafios para se consolidar como alternativa viável de transporte nos centros
urbanos do Brasil. Segundo levantamento produzido pelo portal Mobilize, o país
conta com pouco mais de 2,5 mil quilômetros de vias cicloviárias, entre
ciclovias e ciclofaixas. É uma parcela ínfima, diante da malha rodoviária do
país, de cerca de 1,7 milhão de quilômetros.
Por saúde e economia, brasilienses têm trocado o carro pela bicicleta Arquivo/Agência Brasil |
Mesmo sendo poucas,
as ciclovias têm conquistado novos adeptos. Desde 2015, o publicitário Allan
Alves, de 30 anos, trocou as estradas pelas ciclovias. A mudança começou por
uma questão financeira. “Fiz os cálculos e vi que era muito mais econômico não
ter carro do que ter. E quando percebi que em dias que não usasse a bicicleta
tinha estrutura na cidade como a bikecompartilhada, ônibus e aplicativo de transporte,
resolvi de vez abolir o trânsito”, afirma o publicitário.
Saiba
Mais
Agora, não vê outra
alternativa para se locomover em Brasília: “Hoje em dia, tenho dificuldade em
dirigir, é estressante. Fora todos os benefícios de saúde e bem-estar da
bicicleta, de explorar a cidade com mais calma”, disse Allan.
Na opinião do
professor Pastor Willy Gonzales Taco, especialista em mobilidade urbana da
Universidade de Brasília, apesar da vantagem financeira e do bem-estar, é
preciso ter muita força de vontade para abandonar de vez o veículo no Brasil.
“É uma questão
cultural, conceitual e econômica. O Brasil tem apostado muito nas rodovias e na
indústria automobilística como condutores da economia. Por outro lado, a
promoção do uso de modos alternativos, como a bicicleta, o próprio andar a pé,
as tecnologias estão só aos poucos sendo vistas. Leis, como as que protegem os
pedestres, ainda estão surgindo de forma tímida. Falta vontade política”,
critica.
Dia 22 de setembro de cada ano se celebra o dia mundial sem carro |
Segundo Pastor, não
há medidas de incentivo aos usuários dos meios alternativos de locomoção como
em outros países: “Não há gestão e investimento em infraestrutura. Não há
nenhum tipo de incentivo como redução de impostos para quem compartilha seu
carro ou premiação para os usuários mais assíduos de aplicativos de caminhadas,
viagens de bicicleta ou transportes públicos. Não há promoção de novas
tecnologias para complementar o uso dos mesmos, como informação ao usuário,
horários, atendimento, qualidade do serviço. Não há sistemas integrados para
unir as várias possibilidades de mobilidade urbana”.
O professor Pastor
cita exemplos de soluções simples e de baixo custo, como estímulos de empresas
com benefícios para funcionários que decidam ir de bicicleta, a pé, de ônibus
ou metrô, de esquemas de caronas. Há aplicativos que promovem o aluguel de
carros por tempo; de corridas compartilhadas.
O especialista
elogia movimentos como o do Dia Mundial Sem Carro, mas diz que ações pontuais
como essa são importantes para celebrar e dar visibilidade à causa, mas deveria
ser uma atitude contínua. "É muito tímido um dia, quando se tem 365 para
promover a mobilidade ativa“. “Soluções existem em todo lugar. O mundo está
cheio delas. Muitas são criadas aqui mesmo, como o BRT de Curitiba (PR): uma
invenção brasileira, da década de 70, mas que só está sendo implementada agora,
40 anos depois. Depois que outras cidades do mundo já fizeram”, ressaltou.
Exemplos de ações
continuadas são os grupos de ciclistas que se reúnem diariamente ou
semanalmente para promover passeios urbanos. Além de ser um incentivo para quem
ainda está se adaptando, a parceria de outros praticantes traz segurança e
colabora para a manutenção do hábito saudável.
Por Adriana Franzin - Repórter da Agência
Brasil
Fonte: Agência Brasil
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