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Torcida acompanha a seleção em 2014, sob narração de Galvão Bueno: em 2018 será igual |
Por
Philipp Lichterbeck*
Os brasileiros serão
obrigados a suportar um narrador em especial durante mais uma Copa. É o preço
pago por uma meritocracia que protege um establishment que mantém o Brasil
preso no seu próprio passado.
Quando a Seleção
entrar em campo para a sua primeira partida no Mundial da Rússia, neste domingo
(17/06), um homem estará lá mais uma vez: Galvão Bueno. Como acontece em toda
Copa do Mundo – há 35 anos!
Com timbre sonoro de
voz, ele vai narrar à partida e gritar "Olha o gol” de vez em quando. Ele
vai celebrar o seu queridinho, Neymar, o garoto-propaganda mais caro do Brasil.
Mas Galvão não vai contribuir essencialmente para a compreensão do jogo.
Após o apito final,
o jornalista de 67 anos ficará de pé na cabine de imprensa da TV Globo,
acompanhado por dois comentaristas e um ex-jogador. Como sempre, será um evento
tenso protagonizado por senhores idosos de terno, gravata e poses idênticas e
cujas análises não vão muito além de "o jogo foi bom ou ruim".
Dezenas de vezes, repete-se o que o público já viu. A falta de conteúdo é
dissimulada com piadinhas e frases melodramáticas como "Tite nos resgatou
o orgulho de ser brasileiro".
A estética da
emissão lembra o fim dos anos 1980, início dos anos 1990. Como esse, de
qualquer maneira, muitos programas da televisão brasileira parecem como se o
mundo tivesse parado há 30 anos. O melhor exemplo ao lado de Galvão é o sexista
Domingão do Faustão.
Por isso, entendo
que muitos brasileiros estejam fartos desse tipo de cobertura. Querem um
refresco. Um rosto novo, uma voz nova. Um (ou uma) repórter que saiba ler uma
partida de futebol, que seja original e crítico/a.
Mas a esperança é
inútil. Galvão Bueno é o resultado de uma concentração extrema de meios de
comunicação, além de um Brasil refratário a tudo o que é novo e progressivo. É
que Galvão ainda narra futebol por só uma única razão: ele não precisa temer a
concorrência. Até perder um gol da Seleção não tem consequências para ele. Ele
está lá porque sempre esteve.
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Philipp Lichterbeck |
Essa monopolização
de discurso pode ser encontrada com frequência nos meios de comunicação
brasileiros. São sempre as mesmas figuras conservadoras que querem explicar o
mundo ao público, seja na televisão, no rádio ou nos jornais: Carlos Alberto
Sardenberg, Merval Pereira, Miriam Leitão, Ricardo Boechat, Reinaldo Azevedo,
Ricardo Noblat. Vozes jovens têm pouca chance. Se não houvesse a internet,
deveria-se falar de uma oligarquia da informação.
A concentração de
poder nas mãos de poucos também é característica da política brasileira, onde,
há décadas, os mesmos senhores se refestelam nos mais diferentes postos. Alguns
políticos aproveitam para abrigar a família inteira na profissão, clãs
familiares e círculos de amigos dominam Estados inteiros. E, naturalmente,
fazem de tudo para manter o poder. Por isso, é claro que novatos ficam
desencorajados ou têm dificuldade extrema de conquistar espaço.
Quando uma figura
independente consegue a proeza de conquistar uma posição de destaque na
política, pode acabar como Marielle Franco, assassinada há exatos três meses e
cuja morte ainda não foi esclarecida. O prognóstico não é exagerado. Dois
exemplos: a jovem vereadora Talíria Petrone (Psol), de Niterói, já foi alvo de
ameaças de morte: "Merece uma 9 mm na nuca."
E, na Rocinha,
recentemente um policial de UPP falou em plena rua para uma amiga minha de 24
anos que luta pelos direitos de jovens negros na área: "Você é gostosa demais
pra virar outra Marielle".
São exemplos
extremos, mas ilustram como é impedido o progresso no Brasil. Enquanto outras
sociedades promovem jovens talentos, os já privilegiados desse país se agarram a
seus postos até caírem. Políticos e muitos jornalistas consagrados se acham
insubstituíveis e atuam como se fossem semideuses. Por não terem concorrência,
assentaram na mediocridade e ficam se repetindo dia após dia. Ideias novas e
originais? Que nada.
Assim, os
brasileiros terão que suportar o eterno Galvão Bueno durante mais essa Copa. É
o preço que o país paga por sua meritocracia – que não estimula novos talentos
nem contribui para a diversidade. Ao contrário, apenas protege um establishment
que mantém o Brasil preso no seu próprio passado.
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*Philipp Lichterbeck queria abrir um novo
capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde
então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América
Latina para os jornais Tagesspiegel (Berlim), Wochenzeitung (Zurique) e Wiener
Zeitung. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
Publicado originalmente: Deutsche Welle
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