O
legado olímpico, para os mais pobres, são remoções, especulação imobiliária,
militarização da cidade. Não adianta tapar os vazamentos da Vila Olímpica. A
face real dos Jogos é a Vila Autódromo.
Duas semanas antes
do início dos Jogos Rio-2016, a Vila Olímpica destinada ao alojamento dos
atletas recebeu atenção internacional. Problemas de acabamento e vazamentos de
água fizeram as delegações da Austrália, Argentina e Suécia se recusarem a
ficar no local.
Cinco vezes maior
que a previsão original, o valor pago pelo poder público para usar a Vila
saltou de R$ 51 milhões para R$ 254,9 milhões. As obras foram feitas por um
consórcio da Odebrecht com a Carvalho Hosken e tiveram um custo total de R$ 2,9
bilhões, financiados pela Caixa. A Odebrecht, lembremos, tinha em sua polpuda
lista de doações eleitorais o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), com o carinhoso
apelido de “Nervosinho”.
Reportagem da
ESPN, datada de julho de 2015, dizia que a promessa era de “instalações de alto
padrão para as delegações, em um nível nunca visto anteriormente na história
dos Jogos”. Ficou na promessa.
Mas, apesar dos
holofotes no caso, o maior problema da Olimpíada do Rio não é o vazamento nas
instalações da vila dos atletas. Antes fosse. O projeto da cidade olímpica veio
acompanhado de segregação urbana e favorecimento dos interesses imobiliários,
como aliás já havia ocorrido na Copa de 2014.
O caso mais
emblemático desta lógica foi o da Vila Autódromo. Comunidade vizinha ao Parque Olímpico,
a Vila Autódromo foi alvo de um assédio contínuo, com despejos, violência
policial e intimidação por parte da prefeitura de Paes. A maioria das 600
famílias foi removida para moradias em região mais distante ou recebeu
indenizações insuficientes para a aquisição de outra casa.
Mas a Vila
Autódromo também tornou-se símbolo de resistência. Vinte famílias não arredaram
pé, resistindo ao assédio, às pressões e agressões. Conseguiram permanecer no
local. Maria da Penha, liderança desta luta, disse em entrevista recente ao “El
País”: “As pessoas às vezes pensam no pobre como lixo para ser removido. Não
somos lixo, somos pessoas com direitos que precisam ser respeitados”. Parece
óbvio, mas não é: estima-se que mais de quatro mil famílias tenham sido removidas
por obras ligadas direta ou indiretamente aos Jogos Olímpicos.
Muitas dessas
remoções e obras para o evento convergiram com interesses imobiliários,
servindo como instrumento de gentrificação em áreas valorizadas. A própria Vila
Olímpica é expressão disso. Ao invés de optar por um projeto menos suntuoso,
que poderia ser convertido em habitação popular após os Jogos – a exemplo de
várias cidades que sediaram o evento– os organizadores decidiram por um
complexo na Barra da Tijuca, que já está sendo comercializado pelas construtoras
como condomínio de luxo.
Além disso, a
Olimpíada militarizou o Rio de Janeiro. Sob o argumento da segurança para os
Jogos e a prevenção ao terrorismo, intensificaram-se as incursões agressivas
nas favelas e a repressão aos trabalhadores informais. A letalidade da PM
cresceu consideravelmente no Estado durante o último período. Os cariocas
pobres são tratados abertamente como inimigos.
Como agravante, a
Câmara aprovou o projeto de lei 5.768/2016, que cria foro especial para
militares que cometerem crimes dolosos contra civis durante os Jogos Olímpicos.
Se confirmado pelo Senado, o projeto livrará os militares de serem levados à
Justiça comum por crimes que venham a cometer. O autor da proposta, deputado Julio
Lopes (PP), afirmou que isso dará “mais liberdade e vontade” para os policiais.
O legado olímpico
para os mais pobres é de remoções, especulação imobiliária e militarização da
cidade. Não adianta tapar os vazamentos da Vila Olímpica. A face real da Olimpíada
é a Vila Autódromo.
Por Guilherme Boulos.
Siga o blog nas redes sociais: