Estamos em plena Copa
do Mundo e somos tomados por tantas sensações, inquietações. Através dos jogos
vemos as disputas entre as nações, a concorrência e o destaque individual, a
periferia contra os centros, times ricos e times pobres. Os gramados e as
camisas com propagandas, o solo e os corpos como estandartes das mercadorias.
Mas qual o verdadeiro
significado da Copa do Mundo? A Copa do Mundo no Brasil nos coloca de frente
para uma realidade grotesca: a apropriação privada do jogo e o desenvolvimento
do futebol como uma mercadoria rentável, especulativa e fictícia, em
contraposição ao prazeroso encanto do simples valor de uso do gozo.
Vivemos a era da
substituição do jogo de passe de bola e das traves improvisadas com o que se
encontra nas ruas, protagonizado por crianças, jovens e adultos em várias
comunidades ao longo dos desconhecidos Brasis que conformam o Brasil, pela
camisa verde amarela patrocinada pelos grandes capitais financeiros mundiais.
É o futebol no
movimento contraditório entre o poder ser para além das regras do capital e o
onipotente dever da ordem dominante. Neste estar entre o poder ser e o não
conseguir ser, no qual vivem os trabalhadores, o futebol se apresenta na
história popular do Brasil contemporâneo como um crime hediondo do capital
contra o trabalho: a convivência com a morte do direito à vida, ao jogo, ao
encanto e à realização da maioria.
O futebol arte
próprio da criatividade humana se transforma no miserável futebol propagandístico
próprio da sociedade do espetáculo em que a ocultação do real não revela o
preço pago por muitos na concretização do show produzido para o ostentoso
acúmulo privado de poucos.
Fifa, o futebol
mercadoria
A Federação
Internacional de Futebol (Fifa) com sede em Zurique Suíça foi conformada
legalmente em 1904, em plena era hegemônica do capital monopolista financeiro
(imperialismo). O negócio do futebol de forma ocorre no mesmo momento em que o
mundo passa a ser regido pela dinâmica do capital financeiro.
O site da Fifa
informa que de 2007 a 2010 seus negócios do futebol foram exitosos, em
especial, nos preparativos para a Copa do Mundo da África do Sul. A indústria
patenteada da bola acumulou neste período uma receita de 4,189 bilhões de dólares
em que parte substantiva deste valor de mercado se origina dos eventos do
grande espetáculo do futebol.
Além desta fonte, o
atual capital financeiro Fifa lucrou 37 milhões de dólares com a venda de
quinquilharias patenteadas no mesmo período. Camisas, bonecos, bolas, meias,
todos os kits da venda do sonho de pertencer à grande aldeia global do futebol
“arte”, materializado nas campanhas de marketing do capital Fifa.
Os ganhos da Copa do
Mundo no Brasil prometem. Ao modernizar-se enquanto capital financeiro, a
indústria Fifa.com disponibilizou quase 3 milhões de ingressos dos quais 2,9
milhões já foram vendidos, com uma lista de espera de 8 milhões. Além disso, as
recordações da Copa do Mundo do Brasil, através dos produtos cadastrados no site,
expressa a gigantesca máquina de fazer dinheiro da indústria.com da Fifa.
A Fifa reforça em seu
site que os custos de 2 bilhões de dólares para os preparativos da Copa são
arcados por ela. Como se os custos não fossem debitados da conta do trabalho e
dos cofres públicos do país sede da copa.
Além disso, como
educação e futebol para os negócios estão diretamente relacionados, a Fifa
possui na Suíça um centro internacional de estudos esportivos que oferece
especializações e cursos de curta duração organizados para a administração dos
negócios esportivos do futebol. Merece destaque e um estudo o mestrado
internacional da Fifa em administração, direito e humanidades do esporte.
O país do futebol foi
escolhido como o palco benevolente da reprodução social do capital financeiro
Fifa que se apresenta como um representante global dos interesses do futebol.
Os tristes trópicos alegram o palco carnavalesco da acumulação de capital dos
robustos cofres da Fifa.
O vermelho do
verde-amarelo
Enquanto isto, no
país do futebol arte os “invisíveis” populares seguem seus rumos na procura por
trabalho, na luta por moradia, por inserção na educação e projeção de saúde
mínima, para não terem que usar o falido sistema de cura dos lotados hospitais
brasileiros. Populares e invisíveis.
Na imagem aérea da
arena do teatro moderno do futebol, não há espaço para a veiculação do quanto
os estádios estão rodeados por gigantescas periferias, territórios em que seus
ocupantes não aparecem na fita da fantasia Fifa, mas que são os verdadeiros
celeiros de craques desconhecidos em várias áreas da produção de vida.
O futebol é uma entre
tantas paixões mundiais. E belo por ser próprio à criatividade humana. Mas a
capacidade de transformar o belo em mercantil e de sujeitar todos à sua ordem
hegemônica, não sem contestações, cobra seu preço. Entre o sonho do ganhar
dinheiro com a bola, vive-se uma realidade concreta de se fugir ao menos das
balas: venham elas do Estado ou dos corpos armados.
O país do futebol é
vermelho além de verde-amarelo. Porque vermelha é a cor dominante nas ruas.
Vermelho é o sangue sobre os asfaltos, nos corredores dos hospitais, nas contas
não pagas pela maioria que vive para tentar arcar com sua sobrevivência no
palco mercantil do futebol fantasia do mundo do trabalho atual. Outro Brasil,
verdadeiramente belo pulsa.
E vermelho também é a
sua cor. Porque vermelha é a luta popular, vermelha é a cor da bandeira da
luta, vermelho é o sonho que sempre presente, está por despertar. Galeano ama a
bola que vive dentro dos pés do Messi. Talvez ele enxergue a origem vermelha
oculta pelas chuteiras do craque.
Roberta Traspadini é
professora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)
e da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF).
Tomado do Portal do Jornal
Brasil de Fato