Entre setembro e outubro de 2015, duas decisões de
tribunais brasileiros barravam o acordo de cooperação internacional para apurar
a corrupção na Fifa. Sem precedentes que justificassem o rompimento na ajuda
para as investigações contra cartolas, dirigentes e empresas envolvidas no
maior escândalo do futebol, provas estão guardadas a sete chaves no Brasil e a
suas remessas ao FBI impedidas por decisão estagnada no Superior Tribunal de
Justiça (STJ). E dessa mesma resposta dependem as ações que desaguam na prisão
de Del Nero e Ricardo Teixeira.
Já passaram um ano e três meses desde que o maior caso
de corrupção do futebol foi deflagrado pelas autoridades suíças e
norte-americanas. Mas assim que solicitou documentos da empresa Klefer
Produções e Promoções Ltda, do empresário Kleber Leite, e do ex-presidente da
CBF e genro de João Havelange, Ricardo Teixeira, as autoridades dos Estados
Unidos enfrentaram grandes obstáculos para acessar provas aqui retidas contra
os dirigentes brasileiros.
A primeira delas partiu da 1ª Turma do Tribunal
Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo). Em sessão
secreta no dia 30 de setembro de 2015, dois dos três desembargadores quebraram
a cooperação internacional firmada entre o Brasil e a Promotoria Federal de
Nova York para investigar as denúncias.
Um Habeas Corpus impetrado pela empresa de marketing
esportiva, suspeita de pagar propinas a dirigentes da CBF no Brasileirão,
questionava a decisão da 9ª Vara Federal Criminal, de maio de 2015, que
realizou buscar e apreensões na Klefer, coletando documentos e que determinou a
quebra de sigilo fiscal de Ricardo Teixeira e de sua filha, Antonia, para
enviar aos EUA. Naquele despacho, a justiça de primeira instância também havia
decretado a quebra de sigilo bancário e o bloqueio de bens de 15 pessoas,
incluindo o empresário e o cartola brasileiro.
O pedido da empresa investigada no TRF-2 era para
anular todas as decisões da 9ª Vara, inclusive o desbloqueio de bens dos alvos
– solicitação aceita pelos desembargadores Ivan Athié e Paulo Espírito Santo,
naquela sessão secreta. Com isso, todos os documentos apreendidos e enviados às
autoridades norte-americanas tiveram que ser devolvidos, assim como os recursos
congelados.
Em seguida, alguns dias depois, a juíza Débora Brito
da 9ª Vara Federal, que substituía o magistrado anterior no caso, não teve
outra saída que não a de tomar decisões iguais à instância superior. Débora,
que havia determinado o bloqueio de bens e aberto o sigilo bancário de 15
investigados, teve que desfazer as ações.
A magistrada também encaminhou um ofício ao
Coordenador do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica
Internacional (DRCI), pedindo a devolução dos documentos apreendidos. Junto com
o despacho, Débora Brito anexou a decisão do TRF-2, indicando que foi o
Tribunal quem rompeu a cooperação.
Histórico cooperações
A cooperação internacional nas investigações está
prevista tanto em tratados assinados pelo Brasil junto a Cortes internacionais,
como também em entendimento do Judiciário.
Quando argumentaram seus votos, os desembargadores do
TRF-2 afirmaram que era preciso ter uma decisão anterior do STF ou do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) nesse sentido, para serem autorizadas as cooperações
bilaterais. Os membros do Tribunal esqueceram-se, entretanto, que o STJ já
criou jurisprudência, quando Teori Zavascki ainda integrava a turma.
Hoje no Supremo, o então desembargador determinou que
um pedido do Ministério Público de outro país deve ser encaminhado diretamente
ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional
(DRCI) e à Procuradoria da República, que deve, só então apresentar o pedido a
um juiz de primeira instância.
Mas para Teori, a análise deve ser no sentido de
apoiar a colaboração, a menos que afete alguma determinação da legislação
brasileira. “O compartilhamento de prova é uma das mais características medidas
de cooperação jurídica internacional, iterativamente prevista nos acordos
bilaterais e multilaterais que disciplinam a matéria”, disse Zavascki, em 2009.
Em seu voto para o caso de um empresário investigado
de lavagem de dinheiro em negociação do Corinthians com investidores britânicos
e russos da MSI (Media Sports Investment), o desembargador, hoje ministro do
STF, concordou com a cooperação internacional direta (leia, abaixo, a íntegra
do voto do ministro).
Em um ofício enviado no dia 21 de outubro pelo
Ministério Público à Justiça Federal do Rio, os procuradores alertaram que a
decisão contrária “viola o tratado bilateral de cooperação internacional entre
o Brasil e os EUA, podendo por em risco pedidos semelhantes expedidos por
autoridades brasileiras àquele país”.
Para o MP, a troca de informações é “uma prática
comum”. “Uma prática que vem se utilizando para facilitar a colaboração entre
países. Afinal, a criminalidade também é globalizada. Hoje em dia não existem
mais fronteiras, não existem mais limites dos países para a prática de crime.
Então os países têm que se auxiliar”, afirmou um dos procuradores que atua no
caso Fifa.
As decisões ainda vão contra mecanismos de colaboração
incentivados pelo Executivo e Legislativo. Ainda em outubro do ano passado, a
presidente Dilma Rousseff sancionou a lei n.º 13.170, que versa sobre o
congelamento de bens e valores de pessoas ou empresas submetidas a sanções por
resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas – CSNU.
Na
prática, trata-se de uma facilidade para o Brasil punir sujeitos envolvidos em
crimes organizados ou terrorismo, tomando as mesmas providências e sanções em
território nacional contra aquelas já punidas no exterior, em primeira
instância.
Consequências
O resultado das decisões tomadas pelo TRF-2 e pela
Justiça da 9ª Vara do Rio de Janeiro é que mesmo dois dos principais dirigentes
na mira do maior escândalo de corrupção da Fifa, Marco Polo del Nero e Ricardo
Teixeira, já serem acusados nos Estados Unidos por corrupção, eles não podem
ser presos e tampouco outras cooperações podem ser solicitadas pelas
autoridades americanas ao MPF brasileiro.
Em manifestação protocolada no dia 4 de abril deste
ano, a Procuradoria-Geral da República contestou as decisões e pediu que o
Brasil volte a colaborar com a Justiça norte-americana. De acordo com o
sub-procurador-geral da República, Moacir Mendes, as buscas e apreensões,
quebras de sigilos bancários e congelamento de valores são necessário “para a
retomada do curso processual”. Ainda em outubro, o MPF se disse “preocupado com
as consequências que a decisão pode gerar para o caso”.
Ao GGN, a PGR informou que uma nova petição foi
enviada em junho pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, solicitando
prioridade no julgamento. Recorrendo da colaboração com os Estados Unidos, a
decisão depende, agora, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nas mãos do
ministro Jorge Mussi, desde o dia 5 de abril.
Em três de dezembro, o Departamento de Justiça dos EUA
indiciou Del Nero e Ricardo Teixeira. Investigados pelo FBI, foram acusados
formalmente de receber propinas em contratos comerciais da CBF. Enquanto as
apurações contra Teixeira aqui já eram travadas, o governo norte-americano
tentava outra cooperação, no fim do ano passado, para que Del Nero fosse preso
ou prestasse depoimento às autoridades.
Mas o despacho dos desembargadores da segunda
instância enterrou de vez as possibilidades de cooperação, até agora.
O caso de Del Nero ainda implicava nas suspeitas de
pagamentos feitos por J. Hawilla, dono da Traffic, que compartilhou com a
Klefer um contrato que detinha junto à CBF para a Copa do Brasil, a partir de
2011. A polícia norte-americana descobriu que a Klefer se propôs a pagar R$ 128
milhões pelo torneio entre 2015 e 2022, minando as chances de Hawilla.
Para isso, a Klefer também repassaria uma propina
anual a um cartola da CBF, não revelado. Mas, após um acordo comercial, Hawilla
e Klefer decidiram fechar um entendimento, beneficiando-se ambos: a partir de
2012, a propina seria paga pelos dois, em quantia elevada. A suspeita é que os
beneficiários desse repasse eram José Maria Marin, preso em Zurique e
extraditado aos Estados Unidos, e Del Nero.
Mas enquanto Marin foi preso, o ainda presidente da
CBF está apenas impedido de viajar ao exterior, desde a deflagração do esquema,
em maio de 2015. A Justiça americana analisa depósitos e pagamentos feitos pela
Traffic nos EUA, assim como da Klefer, para relacionar o cartola brasileiro ao
esquema. Mas os documentos detidos pela justiça brasileira impedem o avanço do
caso.Paralelamente, o Comitê de Ética da Fifa encaminha investigações para
punir Del Nero. Sem sair do Brasil, protegido sob o risco de ser preso no
exterior, o cartola se manteve no posto de presidente da CBF. Mas a imagem para
os dirigentes brasileiros vem pressionando para que o alto escalão da Fifa
agilize o processo e suspenda-o do futebol até o final deste ano.
Por
Patricia Faermann.
Fonte:
Jornal GGN
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