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quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

JORNADA CABOCLA CHICA PELEGA: ROMPENDO SILÊNCIOS, DE 02 A 08 DE FEVEREIRO

Por Claudia Weinman.

Programação de 02, 03, 04 e 05 fev..

Quem viu Chica Pelega viu chispas de raio clareando o sertão”. Na letra da canção do historiador Vicente Telles (in memoriam), não morre a Chica Pelega, desassossegada e montada no seu cavalo com facão de pau erguido na mão. Acredita-se que Francisca Roberta era o nome de Chica Pelega, uma jovem liderança cuja memória não deve ser enterrada, permanecendo viva junto a história de mais de 20 mil corpos tombados em uma das maiores guerras de formação territorial da história da humanidade: o genocídio do Contestado, que neste ano de 2022 completa 110 anos. Para evidenciar o Contestado presente nos povos que formam o sertão catarinense, a Jornada Cabocla que leva o nome de Chica Pelega será realizada de 02 a 08 de fevereiro nas plataformas virtuais e vai reunir pesquisadores/as e toda gente que integra o Fórum Regional em Defesa da Civilização e Cultura Cabocla do Contestado, organização essa lançada no município de Fraiburgo/SC em 03 de novembro de 2019.

Programação de 06, 07 e 08 de fev...

As atividades da jornada estavam previstas para acontecerem presencialmente, pelo menos 60% da programação tinha essa característica de diálogo aberto e direto com o público, no entanto, as condições sanitárias de um país que soma 624 mil mortos por Covid-19, com aumento expressivo de casos de pessoas contaminadas neste primeiro mês do ano, especialmente pela nova variante Ômicron, fez com que os/as organizadores/as da jornada direcionassem a programação para o formato virtual.

Assim, a jornada mantém seu calendário e os/as organizadores/as pretendem fazer com que ela aconteça anualmente, para também romper com o silêncio imposto pelo poder público regional sobre a história do contestado, como destaca Jilson Carlos Souza, um dos representantes da coordenação do Fórum Regional em Defesa da Civilização e Cultura Cabocla do Contestado. “Muitas vezes os dois massacres que aconteceram na cidade santa do Taquarussu do Bonsucesso têm caído no esquecimento por força das autoridades, vereadores, prefeitos de Fraiburgo. Eles nunca fizeram questão de mostrar o significado do conflito do Contestado para a formação do povo fraiburguense. Nós temos a responsabilidade de trazer presente”.

 

O Taquarussu que Chica Pelega defendeu

Chica Pelega, assassinada em 08 de fevereiro de 1914, no combate do Taquarussu, atual município de Fraiburgo, é um dos símbolos muito presentes quando se fala em Contestado. É a sintetização da mulher cabocla sertaneja e é conhecida como um ser humano comprometido com a luta. Mulher curandeira, aprendeu com os povos indígenas e São João Maria sobre a utilização das ervas e outras práticas de cura.

Ao carregar um nome como de Chica Pelega, a jornada deve dialogar sobre temas que contextualizem a guerra que ocorreu entre os anos de 1912 a 1916, mas, especialmente, mostre como a prática do extermínio de caboclos, caboclas, dos povos indígenas por empresas multinacionais com auxílio do exército, da polícia militar dos três estados do Sul e jagunços foi determinante para a formação do povo do Meio Oeste Catarinense, as consequências de um massacre e a resistência que até hoje denuncia a invasão do contestado por aqueles que tinham como objetivo a geração de lucro, já que os povos indígenas e caboclos representavam na visão das empresas colonizadoras o “atraso ao progresso”.

Por isso, quando se trata do conflito do Contestado é preciso mencionar que a desocupação forçada da faixa de terras com mais de trinta quilômetros de largura entre os estados do Paraná e Santa Catarina para a construção da estrada de ferro pensada para ligar o estado de São Paulo ao Rio Grande do Sul, representou o massacre de um povo. “A jornada tem como tarefa rememorar, fazer com que os dois massacres do Taquarussu não caiam no esquecimento. Especialmente, trazer presente aquele 08 de fevereiro de 1914 quando Chica Pelega foi assassinada. É importante que a jornada aconteça para dizer que o Contestado está vivo nas várias pessoas que morreram por Covid, pela antipolítica, nos que sentem fome, nos que existem e não se calam, nos meninos e meninas que fazem teatro, nos homens e mulheres que fazem as caminhadas históricas e em todas as ações feitas nessa região. Ninguém vai nos empurrar para baixo do tapete, nos silenciar”, apontou Jilson Carlos Souza.

A presença forte das mulheres na luta do Contestado simboliza, para historiadores, pesquisadores e para caboclos e caboclas, mais um dos motivos do porque as forças políticas regionais desejam esconder a história da guerra. Para o professor da UFSC, Paulo Pinheiro Machado, que abrirá os trabalhos da jornada no dia 02, às 19h, com o tema: “O Reduto do Taquarussu do Bonsucesso na historiografia do Movimento do Contestado”, esse é um debate importante e que reunirá colegas, outros/as pesquisadores/as e gentes das mais diferentes áreas do conhecimento que auxiliam com suas pesquisas, estudos e vivências a entender a história e a sociedade.

Quando se trata do Taquarussu, ele menciona que esse é um tema “caro” para todos/as que estudam o Contestado. “Estamos falando de um pequeno povoado de Taquarussu que, pelos indícios que tenho, naquela região existiam moradores fixos desde 1840, 1850, depois da ocupação indígena que havia naquele território. É uma ocupação cabocla bastante antiga e que tinha como referência principal aquela festa de Bom Jesus, por onde José Maria chegou no município de Curitibanos e começaram todos os incidentes depois”.

Ele explica também que no início do mês de fevereiro de 1914, no segundo ataque ao Taquarussu, (considerando que o povo sertanejo vivia perseguido), mulheres, crianças e idosos ocupavam o território, já que os homens teriam saído para construir um novo reduto. “Esse ataque acabou representando um grande massacre de uma população feminina. Não foi um combate, foi um bombardeio do reduto. Alguns relatos dão conta que no segundo dia, quando a tropa do exército entrou no reduto depois de passar o dia anterior bombardeando com morteiros, peças de artilharia, varrendo o reduto com metralhadoras, todos estavam mortos, calcinados. Era uma confusão de pedaços de corpos de pessoas e animais, uma imagem chocante tal como as guerras do século XX, como o efeito de uma guerra moderna em cima de uma comunidade camponesa. Ali estava Chica Pelega, uma figura feminina que tentou defender sua comunidade”.

Na Taquarussu bombardeada, Jilson Carlos Souza também destaca que Chica Pelega, antes de ser assassinada, teria levado as mulheres e crianças que já haviam sobrevivido ao massacre das metralhadoras e dos canhões do exército brasileiro, da polícia militar de Santa Catarina, Paraná e do Rio Grande do Sul, para dentro de uma igreja. “Em um momento de desespero e tentando preservar a vida das crianças, mulheres e idosos, Chica Pelega conduz o povo para dentro da igreja imaginando que ali ninguém teria coragem de matar. No entanto, atearam fogo na igreja e terminam de assassinar as mulheres e crianças. Esse foi um dos episódios mais sangrentos. Por isso a jornada leva o nome de Chica Pelega”.

Por ser uma jornada em conjunto com organizações sociais que compõe o Fórum Regional em Defesa da Civilização e da Cultura Cabocla, é que Chica Pelega representa também o rompimento do silêncio e da tentativa de apagamento do papel das mulheres lutadoras do Contestado. “Temos um sonho de fazer com que todas as atividades caboclas tenham esse caráter regional, as semanas sejam regionais, estaduais, para fortalecer ainda mais a história do Contestado e os projetos que no presente marcam a resistência cabocla”, finalizou o representante do Fórum.

Saiba mais sobre o Fórum em Defesa da Civilização e da Cultura Cabocla:

http://esportesemdebates.blogspot.com/2019/11/organizacoes-sociais-lancam-o-forum.html