Aquele que disse que
essa pandemia está revelando a verdadeira face de muitas pessoas é um
verdadeiro gênio. Não somente pela profundidade da reflexão, mas por finalmente
dar razão ao que já se vem falando há muito tempo. Quantos CPFs e CNPJs
simplesmente passaram por cima da questão mais importante desse momento (o
respeito à vida) por um punhado de reais a mais no bolso?
E mais: quantas
vezes você ouviu vozes dissonantes serem caladas por simplesmente não estarem
de acordo com a “ordem estabelecida” ou por não agradarem a este ou aquele
figurão?
Digo isto por conta
do ocorrido com a jogadora de vôlei de praia Carol Solberg. Ela (que faz dupla
com Talita e é filha da ex-jogadora da Seleção Brasileira de Vôlei Feminino,
Isabel Salgado) aproveitou a conquista da medalha de bronze na etapa de
Saquarema do Circuito Brasileiro da modalidade para soltar o grito de “Fora,
Bolsonaro”, ao vivo, quando concedia entrevista ao canal SporTV.
“Só
pra não esquecer: fora, Bolsonaro!”
O protesto aconteceu
na manhã do último domingo (20) numa “bolha” montada no Centro de
Desenvolvimento de Vôlei durante as finais da primeira etapa da temporada. Em
depoimento concedido ao jornalista Demétrio Vecchioli (do blog “Olhar Olímpico”
do UOL), Carol Solberg explicou seu posicionamento: “O ‘fora, Bolsonaro’ está
engasgado aqui na garganta. Ver esse desgoverno dessa forma, ver o pantanal
queimando, 140 mil mortes e a gente encarando a pandemia desse jeito. É isso.
Tá engasgado esse grito. E me sinto, como atleta, na obrigação de me
posicionar”, afirmou a atleta.
Os ataques não
demoraram muito para começar. Se a fala de Carol Solberg ganhou eco entre os
críticos e opositores do governo, vários perfis bolsonaristas iniciaram uma
campanha pelo fim do patrocínio do Banco do Brasil à jogadora. O problema é que
Carol não é patrocinada pelo banco estatal. O que existe é a obrigatoriedade de
todas as duplas usarem os tops com a marca do patrocinador fornecidos pelo
organizador do Circuito Brasileiro, a Confederação Brasileira de Vôlei. Se o
top é padronizado com as marcas do Banco do Brasil, as outras partes da
vestimenta podem receber os patrocinadores privados.
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Carol sofre represálias da CBV - foto Digulgação BDF Rio de Jaieniro |
E é aí
que as coisas começam a ficar interessantes.
O Banco do Brasil
patrocina a CBV desde 1991, em acordo firmado no governo de Fernando Collor e
renovado por Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff e
Michel Temer. O contrato mais recente foi firmado em 2016 e garantiu reserva de
R$ 218 milhões por quatro anos. A questão é que o acordo termina no final deste
ano e ele corre um sério risco de não ser renovado.
Foi aí que surgiu a
CBV com uma nota patética na qual dizia repudiar “veementemente” a atitude da atleta.
Sintam-só a cara de pau…
A Confederação
Brasileira de Voleibol (CBV) vem, através desta, expressar de forma veemente o
seu repúdio sobre a utilização dos eventos organizados pela entidade para
realização de quaisquer manifestações de cunho político.
O ato praticado
neste domingo (20/09) pela atleta Carol Solberg durante a entrevista ocorrida
ao fim da disputa de 3º e 4º lugar da primeira etapa do Circuito Brasileiro
Open de Volei de Praia – Temporada 2020/2021, em nada condiz com a atitude
ética que os atletas devem sempre zelar.
Aproveitamos ainda
para demonstrar toda nossa tristeza e insatisfação, tendo em vista que essa
primeira etapa do CBVP OPEN 2020/2021, considerada um marco no retorno das
competições dos esportes olímpicos, por tamanha importância, não poderia ser
manchada por um ato totalmente impensado praticado pela referida atleta.
Por fim, a CBV
gostaria de destacar que tomará todas as medidas cabíveis para que fatos como
esses, que denigrem a imagem do esporte, não voltem mais a ser praticados.
A nota já seria
patética apenas pelo fato dela existir. Mas ela fica ainda mais ridícula por
conta do uso de um termo racista. Qualquer dicionário do mundo mostra que a
palavra “denegrir” significa “tornar negro”, “difamar”, “manchar a reputação de
algo ou alguém”. Essa expressão é altamente ofensiva por considerar algo negro
como ruim.
Ao mesmo tempo,
parece que a CBV tem memória curta. No dia 14 de setembro de 2018, logo após a
vitória da Seleção Brasileira de Vôlei Masculino sobre a França (pela segunda
rodada do Campeonato Mundial), duas imagens surgiram nas redes sociais. Nela,
os jogadores Wallace e Maurício Souza manifestaram apoio ao então candidato à
presidência Jair Bolsonaro. Souza faz o sinal de 1 com as mãos enquanto Wallace
faz o 7, formando o número do candidato.
Procurada na época
pelo blog “Saída de Rede” (também do UOL), a CBV defendeu os dois atletas e a
liberdade de expressão em nota. Confira: “A CBV repudia qualquer tipo de
manifestação discriminatória, seja em qualquer esfera, e também não compactua
com manifestação política. Porém, a entidade acredita na liberdade de expressão
e, por isso, não se permite controlar as redes sociais pessoais dos atletas,
componentes das comissões técnicas e funcionários da casa. Neste momento, a
gestão da seleção irá tomar providências para não permitir que aconteçam
manifestações coletivas”.
Dois
pesos e duas medidas, pessoal.
É claro que existe o
medo de que o governo corte o patrocínio do Banco do Brasil como já fez com
diversas outras estatais que patrocinavam outras modalidades. Vale lembrar que
os Correios não renovaram o suporte dado aos esportes aquáticos, ao tênis e ao
handebol. Além disso, a Secretaria de Esportes pode entrar em colapso com a
saída de vários funcionários terceirizados. Isso causaria a interrupção do
pagamento do Bolsa Atleta e da análise de vários projetos por falta de pessoal.
Ao mesmo tempo,
conforme já amplamente divulgado pelo jornalista Lúcio de Castro (através da
Agência Sportlight), a CBV esteve envolvida em uma série de irregularidades:
corrupção, desvio de dinheiro público, contratos fictícios, fornecedores de
pessoas ligadas aos dirigentes da entidade e muito mais.
Em tempo: um
exercício interessante para o leitor é digitar na busca do Google as seguintes
palavras: CBV e corrupção. Divirtam-se com os links encontrados.
A entidade que
comanda o vôlei brasileiro nunca moveu um dedo para punir os envolvidos e
recuperar o dinheiro desviado. A CBV que condena e repudia Carol Solberg é a
mesma que passou a mão na cabeça de Wallace e Maurício Souza. É a mesma que vem
falar de ética e liberdade de expressão quando tem um passado (e talvez um
presente) marcado por casos de corrupção comprovados por uma série de
reportagens do gigante Lúcio de Castro. É a mesma CBV que não trabalhou para
sustentar o vôlei brasileiro sem a “boquinha” do dinheiro público do Banco do
Brasil.
Sério mesmo que ela
quer falar de ética? Sério mesmo que esses caras querem falar de liberdade de
expressão? É tanta hipocrisia que não cabe nem dentro do Maracanãzinho.
O raciocínio aqui é
bem simples. O Banco do Brasil pode sim se incomodar e retirar o patrocínio do
vôlei brasileiro. No entanto, se isso acontecer de verdade, é porque esse
governo não é lá tão democrático como seus defensores dizem ser e nem pensa no
melhor para o esporte brasileiro. Logo, Carol Solberg acertou em cheio no
protesto.
E a CBV passa a
vergonha do ano ao falar em ética e retidão quando nem ela sabe como agir diante
das notas que publicou.
Fica aqui toda a
minha solidariedade à Carol Solberg, aos atletas e funcionários do governo
federal que se levantam contra a injustiça, a mesquinharia e a hipocrisia de
quem comanda as coisas por aqui.
Aquele abraço e até a próxima.
Por
Luiz Ferreira
Edição:
Eduardo Miranda
Fonte:
BDF Rio de Janeiro
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