Salários acima de R$ 50.000 existem só
para 0,8% – no país do futebol, atletas ganham menos do que serventes de obras,
catadores de materiais reciclados e trabalhadores rurais...
A rápida ascensão foi para lá de lucrativa. Aos 24
anos, Neymar ganha do clube só em salários, por mês, algo em torno de € 900
mil. São R$ 4 milhões no câmbio atual. Fora outros milhões em acordos
publicitários que mais do que dobram a remuneração. Mas esta não é uma
reportagem sobre Neymar. Esta é a história da fábrica de ilusões do futebol
brasileiro que se inspira em figuras como ele.
A maioria dos jogadores de futebol ganham menos do que
servente de obras. Isso não é metáfora, nem exagero. A diretoria de registro e
transferência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) modernizou sistemas e
pôde, pela primeira vez, diagnosticar com mais precisão o estado de saúde do
futebol brasileiro. E ele está doente. Ao todo, há registrados 28.203 atletas
profissionais no Brasil. Deles, 23.238 ganhavam até R$ 1.000,00 mensais em
2015. O servente, segundo o Ministério do Trabalho, teve salário médio inicial
de R$ 1.000,17. Não só ele. Ganham mais do que 82,4% dos jogadores de futebol
brasileiros também o ascensorista, o catador de material reciclável, o
chapeleiro de senhoras, o garçom entre outras profissões.
Há, claro, quem ganhe mais do que o diretor de
produtos bancários, profissional com salário médio inicial mais alto do país
segundo o ministério, que chega à empresa com R$ 30.394,85 mensais. Existem 226
jogadores de futebol em solo brasileiro com contracheques acima R$ 50.000,01.
Ora, ora, então esses atletas faturam pelo menos o dobro do que o banqueiro,
provavelmente pós-graduado e com currículo de três páginas, às vezes sem nem
terem terminado o ensino médio. É verdade. Só que eles representam 0,8% de
todos os profissionais desta modalidade. São, portanto a exceção. Só um a cada
100 jogadores ganha efetivamente mais do que um banqueiro.
Na verdade, imaginamos que futebol paga salários
obscenos porque só os jogadores com ótimos salários chegam à mídia, só jogos
deles em grandes clubes são televisionados, só eles aparecem em programas, só
fofocas sobre carrões, mulheres e “parças” deles ganham repercussão.
A desigualdade entre a elite e a larga base da
pirâmide também existe em outros países. Na Inglaterra, números da Associação
de Futebolistas Profissionais (PFA, em inglês) obtidos pela Sporting
Intelligence mostram que, em 2009/2010, um jogador da Premier League, a
primeira divisão, ganhava média de £ 96.863 por mês. Um da quarta divisão, £
3.237 mensais, ou 3,3% do que fatura o colega mais rico. A razão é a mesma: no
Brasil e na Inglaterra os clubes do topo dispararam em arrecadação depois que
valorizaram contratos de televisão e patrocínio, reformaram estádios e criaram
programas de associação. Os times de baixo continuam sem ter acesso a essas
fontes de receita. Os mercados se comportam da mesma maneira. O que nos difere
é que os pobres do Brasil são mais pobres do que os da Inglaterra. E, também,
que os britânicos, divididos em um sistema de ligas que passa da décima
divisão, jogam o ano todo.
A realidade do jogador invisível piora
consideravelmente quando se acrescenta outro dado da CBF sobre um termo que
assusta qualquer brasileiro: desemprego. Dos 28.203 atletas profissionais que
tinham contrato assinado em 2015, somente 11.571 chegaram a janeiro de 2016 com
contrato ativo. Quer dizer que 59% dos jogadores, seis em cada dez, ficaram
desempregados no decorrer da temporada. A taxa de desemprego para todo o país,
que bota medo no governo, está na casa dos 9%. Como tanta gente pôde ficar sem
clube em tão pouco tempo? Houve 7.973 rescisões de contratos, equivalentes a
48% de todos os jogadores que perderam o emprego na temporada. Outros 52% são
de pessoas cujos contratos foram feitos para acabar antes do fim do ano mesmo.
Aí entra uma das justificativas para salário baixo e desemprego alto: falta
calendário.
A maioria dos clubes contrata em dezembro, funciona de
janeiro a abril, durante campeonatos estaduais, e fecha as portas durante todo
o restante da temporada. Se não tem jogo, não entra dinheiro, e aí não tem
jeito. Todo mundo vai para a rua se aventurar em outras profissões para botar
comida na mesa. A maioria daqueles 16.632 jogadores de futebol que perderam o
emprego no decorrer de 2015 tentou encontrar trabalho compatível com seu nível
de instrução. Talvez alguns tenham virado serventes de obras, catadores de
materiais recicláveis e garçons, profissões que pagam tanto quanto o futebol,
mas não têm o mesmo apelo emocional na cabeça do atleta. Por que alguém sonha
em ser jogador de futebol no Brasil? Desinformação. Reprodução de clichês. A
ideia de virar um Neymar e enriquecer da noite para o dia, estatisticamente
restrita a 0,8% dos jogadores brasileiros, faz com insistam na ilusão do
futebol.
Por:
Rodrigo Capelo – publicado originalmente no Época Esporte Clube.
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