Domínio da Globo na transmissão dos jogos
da Seleção e dos clubes nacionais favorece times grandes e impede acesso de
torcedores ao esporte
Disputa entre Globo e CBF permitiu dezenas de emissoras veicular partida em homenagem à Chape |
Quem zapeou na televisão na noite desta quarta-feira
(25/01) percebeu que o jogo amistoso entre Brasil e Colômbia foi transmitido
por mais de uma dezena de canais da TV aberta e da TV fechada.
Para além da solidariedade com a tragédia da
Chapecoense — e da excessiva exploração do tema pelos meios de comunicação —, a
transmissão do jogo chamou a atenção de quem está acostumado com o monopólio da
Rede Globo na veiculação dos jogos da seleção, do Campeonato Brasileiro e das
disputas regionais. A novidade na televisão brasileira é uma excelente
oportunidade de retomar uma pauta ofuscada no país: a necessidade de democratizar
as transmissões de futebol.
Vale lembrar, entretanto, que a visibilidade ampliada
da partida não foi resultado dessa preocupação, mas sim fruto da negociação
conflituosa dos direitos de transmissão entre a Globo e a CBF.
Enquanto negociava com a Globo a exclusividade dos
próximos amistosos, a CBF pediu uma grande bolada – fala-se em R$ 2 milhões –
pela transmissão da partida contra a Colômbia, que não estava inclusa no
contrato vigente. O Grupo Globo não aceitou pagar e a CBF então abriu o jogo a
todas as emissoras — antecipando um futuro “leilão” que a confederação promete
fazer para os próximos amistosos, como forma de pressionar a emissora a pagar
mais.
Apesar das intenções nada nobres, a transmissão
ampliada nos lembra que o televisionamento desse esporte, um patrimônio da
cultura nacional, pode ser diferente e democrático, e mostra o quanto perdemos
com o monopólio hoje em prática.
Quem perde com o monopólio das
transmissões
A exclusividade nas transmissões do futebol no Brasil
traz inúmeros danos aos torcedores, jogadores e ao esporte como um todo. Em
primeiro lugar, o dinheiro pago pela Globo pelo monopólio na transmissão das
partidas é, para a maioria dos clubes da elite do futebol nacional, a principal
fonte de receita. E isso causa muitas distorções.
A concentração dos repasses financeiros aos clubes com
maior torcida e audiência televisiva fortalece desproporcionalmente as
agremiações maiores e aprofunda a crise dos clubes menores, do futebol regional
e do interior.
Como no futebol de rua, a Rede Globo também atua como
uma péssima “dona da bola”: decide o horário das partidas a partir de sua grade
de programação e quais jogos, clubes e regiões do país terão ou não visibilidade.
Assim, boa parte do futebol nacional fica invisível
pela decisão de uma única empresa. A “dona da bola” — nesse caso, da
transmissão — decidiu, no ano passado, por exemplo, passar jogos do campeonato
carioca em quatro estados da região nordeste. Os torcedores dos clubes locais
foram impedidos de assistir ao campeonato de seus times.
Jogo da amizade
O monopólio tem grande responsabilidade também na
crise de esvaziamento dos estádios brasileiros. Além de prejudicar a
competitividade dos clubes menores, a decisão de marcar jogos para às 22h em
dias de semana inviabiliza o retorno pra casa de grande parte dos torcedores
trabalhadores, além de ser um péssimo horário para os atletas jogarem.
No caso da seleção nacional, já há uma confusão entre
Globo e CBF. Até recentemente, o site da Confederação aparecia como o de uma
subsidiária da emissora e a relação entre elas é alvo de investigações. Vale
lembrar, ainda, que a corrupção na venda de direitos de transmissão do futebol
faz parte dos escândalos envolvendo cartolas da FIFA.
Enfrentar o monopólio é possível
A experiência de um país vizinho prova que é possível
ter uma transmissão democrática dos jogos. Na Argentina, até 2009, o Grupo
Clarín (a “Globo” local), sócio da empresa TyC, monopolizava as transmissões de
futebol, restringindo o acesso à maioria das partidas aos assinantes de pacotes
da televisão paga.
Em meio à discussão da necessidade de democratizar a
mídia no país, o governo de Cristina Kirchner lançou o programa “Futebol para
Todos”. A iniciativa, em acordo com a Associação do Futebol Argentino, AFA
(“CBF argentina”), nacionalizou as transmissões futebolísticas, reconhecendo a importância
do esporte para a cultura do país. A ideia era que o futebol televisionado
chegasse à população gratuitamente pela televisão aberta.
Com o Futebol para Todos, diversos jogos passaram a
ser transmitidos na televisão pública e em outros canais, aumentando a
diversidade e a visibilidade dos clubes, democratizando o acesso aos jogos e às
receitas. As partidas eram, ainda, transmitidas ao vivo com qualidade HD na
internet, para quem quisesse assistir, e houve uma redução do abismo de
receitas entre os clubes maiores e menores. Times como Arsenal Sarandí e
Banfield passaram, por exemplo, a ser competitivos e a vencer campeonatos.
O governo argentino utilizou essa situação da
transmissão futebolística como forma de sensibilizar a população sobre os danos
da concentração da mídia e as vantagens da democratização da comunicação. No
mesmo ano, a chamada Lei de Meios foi aprovada com ampla maioria no parlamento.
Infelizmente, neste momento de retrocessos no mundo e
na América Latina, o programa Futebol para Todos também está ameaçado. O novo
governo neoliberal de Maurício Macri anunciou que deseja reprivatizar as
transmissões e acabar com o projeto. O processo já está em curso e o fim do
programa pode acontecer ainda nesta semana — não sem a resistência de quem
aprendeu que é possível assistir futebol ampla e gratuitamente.
No Brasil, diversos grupos têm travado o debate em
torno da democratização do futebol e das transmissões. O coletivo Futebol,
Mídia e Democracia lançou recentemente a campanha “Jogo 10 da noite, não!”,
para denunciar os prejuízos do horário.
A democratização do esporte é tema, também, do recém
lançado Movimento AGIR — Arquibancada Ampla, Geral e Irrestrita, formado por
diversos coletivos, como Democracia Corinthiana, PorComunas, Movimento Punk
Santista, Resistência Azul Popular, Dá Bola Pra Elas, Dibradoras, Ludopédio,
Rede Paulista de Futebol de Rua, Inter Antifascista, Palmeiras Livre e Futebol,
Mídia e Democracia.
Tamanha mobilização reforça a percepção de que é
impossível discutir os problemas do futebol brasileiro sem considerar o papel
da concentração dos meios de comunicação no Brasil. Trata-se de um tema que
deve ser debatido seriamente pela sociedade e por aqueles que defendem o
futebol, em toda sua diversidade regional, como patrimônio cultural brasileiro,
acessível a todos e transmitido democraticamente em todo o território.
O fim do monopólio das transmissões é bom para os
torcedores, para os jogadores e para o futebol brasileiro em geral. Se a Globo
age como a “dona da bola”, que quer mandar no jogo, é hora de reagir.
Por
André Pasti, são-paulino e integrante do Intervozes.
Tomado do Portal da Carta Capital
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