Por Demétrio Vecchioli*
Uma das principais
vozes do movimento negro no futebol brasileiro, o técnico do Bahia, Roger
Machado, quer promover a negritude e a luta antirracista para muito além do
esporte. O treinador é o mecenas de um projeto que pretende lançar 50 livros de
autores negros e indígenas nos próximos cinco anos e, quem sabe, se tornar uma
editora no futuro. Já em 2020 serão publicados 10 livros da coleção Diálogos da
Diáspora que, graças ao financiamento do Projeto Canela Preta, de Roger,
chegarão ao mercado com preço acessível para a parcela mais carente da
população, formada em sua maioria por negros.
"Quando minhas
filhas eram pequenas, eu procurava livros para elas, de literatura
infanto-juvenil, com autores e personagens negros, e tinha dificuldade em encontrar. Essa inquietação cresceu quando li o livro da Chimamanda Adichie que
fala do perigo da história única, como é prejudicial o país quando a história é
contata só por um lado, o lado que detém os meios da produção do
conhecimento", conta Roger.
Essa inquietação
também é presente na academia. "Menos 10% dos livros publicados no Brasil
são de autores não brancos e isso é um reflexo da exclusão no espaço acadêmico.
Com a chegada de mais negros à universidade, fruto das cotas sociorraciais, a
gente está tendo maior produção sobre racismo, lutas contra desigualdade
social, e a gente entendeu que era importante ter um fomento de produção
editorial desse espaço", conta Tadeu de Paula, professor da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e um dos coordenadores do Grupo de
Pesquisa Egbé.
Os dois se encontram
como pais com filhos numa mesma escola gaúcha. Ele disse: 'Que tal a gente
pensar conjuntamente?' E eu disse que era isso que eu tava procurando fazer. Eu
não conseguia achar o fio por onde começar, mas é isso que eu quero. E daí
surgiu a ideia de nos próximos cinco anos eu fazer o financiamento de 10
publicações por ano de autores não brancos.".
Roger marcou um gol de placa - foto: Dario Guimaraes Neto/UOL |
A falta de espaço
para autores negros no mercado editorial é mais um exemplo do racismo
estrutural tão presente na sociedade brasileira. Para ter um livro publicado,
um autor iniciante normalmente precisa colocar dinheiro do bolso e, mesmo
assim, quando chega às prateleiras das livrarias, o livro tem um valor
expressivo. Pelo projeto do Selo Diálogos da Diáspora, os custos de produção
serão cobertos pelo financiamento do treinador. Um exemplar de 200 páginas que
seria vendido por R$ 40 vai custar R$ 15.
"O
financiamento produz um livro final acessível. Sem o financiamento a gente
nunca ia conseguir lançar 10 livros. Ia conseguir lançar dois no ano. Quando
ele paga a editora, a gente cria a coleção, ela acelera e sai esse ano",
explica De Paula, que, pelo lado acadêmico, coordena o projeto com professor
José Damico, também da Federal do Rio Grande do Sul.
Os livros serão
lançados pela Hucitec Editora, especializada em humanismo, ciência e
tecnologia. O conselho editorial fará a curadoria para escolher, todo ano, ao
longo de cinco anos, 10 obras preferencialmente de escritores negros e
indígenas, nas mais diversas áreas acadêmicas: Antropologia, Sociologia,
Psicologia, Urbanismo, Direito, Filosofia, Letras, Pedagogia, Comunicação,
Arte, etc. A coleção também vai incluir literatura de ficção, poesia e saberes
tradicionais, que são os conhecimentos que são produzidos fora da academia. Aí
se encaixam mestres griôs, religiosos e das artes.
Os trabalhos
pré-selecionados serão avaliados por um ou mais componentes do Conselho
Editorial. A partir do banco de obras pré-selecionadas, os coordenadores (um
tripé formado pelo Canela Preta, a editora e o Grupo de Pesquisa Egbé)
selecionarão os 10 livros de cada coleção, com base em quatro critérios:
diversidade de temas, de áreas de conhecimento, de gênero de autores/autoras e
de regiões do Brasil.
O plano é que, a partir do ano que vem, seja aberto um edital para o recebimento de originais, que, por enquanto, devem ser enviados diretamente à Hucitec Editora. Roger, que já tem desenhado o projeto de um instituto, o Tiaduca (homenagem à sua mãe de criação, que era conhecia assim, e referência à educação), tem planos para que a coleção se transforme, no futuro, em uma editora voltada à publicação de autores negros.
Publicado originalmente no Blog Olhar Olímpico da UOL – 18 de agosto 2020
*Demétrio Vecchioli, jornalista nascido
em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero.
Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Dedicado
à cobertura de esportes olímpicos, escreveu para o UOL, para a revista Istoé
2016, foi colunista da Rádio Estadão e, antes do Olhar Olímpico, manteve o blog
Olimpílulas. Neste espaço, olha para os protagonistas e os palcos do esporte
olímpico. No Olhar Olímpico têm destaque tanto os grandes atletas quanto as
grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os
dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.
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