Página Correio Esportes

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Futebol: Que parem os campeonatos

Por Elaine Tavares*

Eu sempre amei o futebol. Desde menina vibrando a partir das cadeiras vermelhas do estádio do Internacional de São Borja. O pai era radialista, então eu tinha aquele espaço de privilégio. Depois, quando os times se juntaram no Esporte Clube São Borja, lá segui eu o novo time, no novo estádio. A paixão mesmo era pelo que acontecia em campo, aquele bailado, os dribles, o gol.

Muitos anos depois tive a alegria de trabalhar como setorista no Figueirense, em Florianópolis, e foi daí que nasceu meu amor pelo alvinegro. Ainda assim era o futebol o meu encanto. Mas, na prática do trabalho também fui conhecendo a gurizada, os seres que fazem a festa acontecer. Nos clubes menores tende a não haver grandes estrelas. Todos estão no mesmo nível, sem altos salários e com trabalho duro. Todos os dias, o treinamento pesado. Muita academia, muito suor, muito treino tático, com o corpo sendo levado ao seu limite.  Não é bolinho não.

Foi aí que descobri que aquele bailado, os dribles e o gol não existem sozinhos, eles precisam ter corporalidade, nome, sobrenome. Vai daí que os jogadores acabam sendo o centro de tudo. Sem eles, nada. Eles são esse corpo coletivo que levanta as gentes nos estádios. Eles são parte constitutiva dessa belezura toda.

Imagem de divulgação

Por isso me encho de ódio ao ver os cartolas dos times, as empresas patrocinadoras, e as redes de TV exigindo que os campeonatos recomecem. A cada notícia de mais um jogador infectado, mais meu ódio aumenta. Como é possível tanta maldade? Tanta desimportância pela vida do outro? Em cada treinamento lá se vão oito, nove, 12 garotos para o drama da Covid-19. Que insanidade! E o pior é saber que eles sequer podem dizer não. São trabalhadores. Estão sob o tacão do capital. Ou jogam ou estão fora. Esse é o tom. 

O futebol é um jogo coletivo, de muito toque e de contato. Não há como jogar sem o risco de se contaminar. E não é possível que os amantes do futebol possam querer que isso continue, como se fosse um combate de gladiadores. É preciso proteger os jogadores como a se protegem os demais trabalhadores nessa hora de angústia e incerteza. As torcidas organizadas deveriam fazer protestos, gritar, impedir esse sofrimento generalizado para os jogadores e suas famílias, que acabam se infectando também. Nada justifica o retorno dos campeonatos se não há sequer como ver os jogos presencialmente.

Para os donos dos times, a vida não importa. Se um jogador morrer, outro logo vem. Essa é lógica do capital. Mas, se o dinheiro não entrar nos seus bolsos eles podem repensar.  Nessa hora os que pagam pelo futebol, os torcedores, os sócios dos clubes, têm poder. Há que impedir essa insanidade. Exigir que os jogos sejam suspenso até que haja segurança para os trabalhadores.

Eu mesma não consigo ver nem ouvir a transmissão do jogo. Aperta-me o peito, me dói o coração. Coloco-me na pele daqueles homens que entram em campo, provavelmente assustados, e que precisam ainda vencer. Não, não dá! Que parem os campeonatos. Que se protejam os trabalhadores. Boicote aos times, às Federações, às emissoras de televisão. Aquele que ama mesmo o futebol há ter essa clareza. E os que apenas vêm dinheiro no processo, que se fodam!

*Elaine Tavares. Jornalista. Humana, demasiado humana. Filha de Abya Yala, domadora de palavras, construtora de mundos, irmã do vento, da lua, do sol, das flores.

Publicidade/BED
Essa iniciativa tem apoio do BED

Blog Esportes em Debates - COMUNICAÇÃO E ESPORTES EM COLETIVO!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.