Por Elaine Tavares*
Eu sempre amei o
futebol. Desde menina vibrando a partir das cadeiras vermelhas do estádio do
Internacional de São Borja. O pai era radialista, então eu tinha aquele espaço
de privilégio. Depois, quando os times se juntaram no Esporte Clube São Borja,
lá segui eu o novo time, no novo estádio. A paixão mesmo era pelo que acontecia
em campo, aquele bailado, os dribles, o gol.
Muitos anos depois
tive a alegria de trabalhar como setorista no Figueirense, em Florianópolis, e
foi daí que nasceu meu amor pelo alvinegro. Ainda assim era o futebol o meu
encanto. Mas, na prática do trabalho também fui conhecendo a gurizada, os seres
que fazem a festa acontecer. Nos clubes menores tende a não haver grandes
estrelas. Todos estão no mesmo nível, sem altos salários e com trabalho duro.
Todos os dias, o treinamento pesado. Muita academia, muito suor, muito treino tático,
com o corpo sendo levado ao seu limite.
Não é bolinho não.
Foi aí que descobri
que aquele bailado, os dribles e o gol não existem sozinhos, eles precisam ter
corporalidade, nome, sobrenome. Vai daí que os jogadores acabam sendo o centro
de tudo. Sem eles, nada. Eles são esse corpo coletivo que levanta as gentes nos
estádios. Eles são parte constitutiva dessa belezura toda.
Imagem de divulgação |
Por isso me encho de
ódio ao ver os cartolas dos times, as empresas patrocinadoras, e as redes de TV
exigindo que os campeonatos recomecem. A cada notícia de mais um jogador
infectado, mais meu ódio aumenta. Como é possível tanta maldade? Tanta
desimportância pela vida do outro? Em cada treinamento lá se vão oito, nove, 12
garotos para o drama da Covid-19. Que insanidade! E o pior é saber que eles
sequer podem dizer não. São trabalhadores. Estão sob o tacão do capital. Ou
jogam ou estão fora. Esse é o tom.
O futebol é um jogo
coletivo, de muito toque e de contato. Não há como jogar sem o risco de se
contaminar. E não é possível que os amantes do futebol possam querer que isso
continue, como se fosse um combate de gladiadores. É preciso proteger os
jogadores como a se protegem os demais trabalhadores nessa hora de angústia e
incerteza. As torcidas organizadas deveriam fazer protestos, gritar, impedir
esse sofrimento generalizado para os jogadores e suas famílias, que acabam se
infectando também. Nada justifica o retorno dos campeonatos se não há sequer
como ver os jogos presencialmente.
Para os donos dos
times, a vida não importa. Se um jogador morrer, outro logo vem. Essa é lógica
do capital. Mas, se o dinheiro não entrar nos seus bolsos eles podem
repensar. Nessa hora os que pagam pelo
futebol, os torcedores, os sócios dos clubes, têm poder. Há que impedir essa
insanidade. Exigir que os jogos sejam suspenso até que haja segurança para os
trabalhadores.
Eu mesma não consigo ver nem ouvir a transmissão do jogo. Aperta-me o peito, me dói o coração. Coloco-me na pele daqueles homens que entram em campo, provavelmente assustados, e que precisam ainda vencer. Não, não dá! Que parem os campeonatos. Que se protejam os trabalhadores. Boicote aos times, às Federações, às emissoras de televisão. Aquele que ama mesmo o futebol há ter essa clareza. E os que apenas vêm dinheiro no processo, que se fodam!
*Elaine Tavares. Jornalista. Humana,
demasiado humana. Filha de Abya Yala, domadora de palavras, construtora de
mundos, irmã do vento, da lua, do sol, das flores.
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