Moradores da zona oeste reassentados no
Minha Casa, Minha Vida estão recebendo cobranças indevidas do Banco do Brasil,
o que gera insegurança e medo; alguns estão com nome sujo no SPC.
À esquerda, pista elevada da
via Transolímpica, que corta o bairro de Curicica, região de Jacarepaguá.
Foto:
Jessica Mota /Agência Pública
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Quando foram removidos à força por causa da construção
da Transolímpica, os ex-moradores da rua Ipadu, da comunidade São Sebastião e
da Vila União de Curicica – comunidades da zona oeste do Rio –, não tiveram
muitas opções. As remoções começaram em 2014 e as mudanças para o residencial
ocorreram no começo de 2015. Alguns receberam a oferta de uma indenização que
não lhes possibilitaria comprar um imóvel na região, mas a maioria aceitou sair
da sua casa em troca de um apartamento num dos condomínios construídos pelo
programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, administrado pela
prefeitura.
“Na hora de desapropriar, eles prometeram que iam
pagar, mas nosso problema foi que eles [os representantes da Prefeitura] não
deram nada por escrito”, conta Jorge Valdevino, representante do Condomínio
Colônia Juliano Moreira, para onde os moradores foram realocados. A Secretaria
de Habitação da Prefeitura do Rio informa que 96 famílias foram reassentadas
naquele residencial*.
O processo de remoção, com a notificação dos
moradores, começou em 2013 para dar lugar à via Transolímpica, considerada um
dos legados dos Jogos Olímpicos no Brasil. Formada por duas pistas de três
faixas, sendo uma exclusiva para o BRT – Bus Rapid Transport –, a via irá
conectar os bairros Deodoro e Barra da Tijuca, na zona oeste. Quem administra a
via é o Consórcio Via Rio, composto pela CCR, Odebrecht e Invepar. Em contrato
com a Prefeitura, o consórcio ficou responsável pelo cadastro das famílias a
serem removidas, pela demolição das casas e pela mudança dos moradores.
A Pública esteve no Colônia e entrevistou 17 moradores
de diferentes blocos do condomínio. Todos relatam a mesma situação: depois de
mais de um ano morando ali, até hoje não têm cópia dos contratos dos
apartamentos. Além disso, há cerca de seis meses, alguns moradores começaram a
receber cartas de cobrança do Banco do Brasil, que financiou a construção do
condomínio, avisando que têm uma dívida de R$ 75 mil.
“A carta nem veio para cá, foi lá pra onde eu morava,
e minha mãe me entregou. A carta era no valor de R$ 75 mil. A última vez que eu
puxei o SPC, [a dívida] estava em R$ 69 e alguma coisa”, conta Ozineide Pereira
da Silva, 30 anos, manicure, sobre cadastro no Serviço de Proteção de Crédito
(SPC).
Creuza da Silveira e a mãe,
Conceição de Oliveira. Creuza é analfabeta e recebeu as cartas de cobrança no
valor de R$ 76 mil. Foto: Beth McLoughlin/Agência Pública
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“A gente assinou o contrato e foi na Prefeitura. O
banco foi, foi um carro-forte, todos os envelopes, tudo bonitinho. Estava tudo
lacrado, abriram na nossa frente. A gente assinou um montão de folha, muita
folha, mas eles não deram nenhuma via para a gente”, lembra. Ela morava com os
três filhos, a avó (que é deficiente física), a mãe, a irmã e quatro sobrinhos
em um cômodo na ocupação que existia na rua Ipadu, em uma antiga fábrica de
lenços. Com a remoção, a mãe e a irmã tiveram de “caçar um canto”, como ela
conta. Hoje mora com os três filhos e a avó, de quem cuida, em um apartamento
de dois quartos. Para Ozineide, que morava no galpão de uma fábrica abandonada,
o novo apartamento foi muito bom. “O único medo que a gente tem é devido o
banco ter botado o nosso nome no SPC e medo de, sei lá… Depois o governo muda…
Eu não tenho nada que diga que isso aqui é meu”, preocupa-se ela.
A única documentação que alguns moradores receberam
foram cópias
de modelos de contrato do Minha Casa, Minha Vida, sem informações.
Foto: Jessica Mota/Agência Pública
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Já Antônio Zacarias da Silva, 40, mora com a filha e a
esposa. Recebeu duas cartas do Banco do Brasil, com a cobrança de R$ 70 mil.
“Eu não sei o que diz a carta porque eu não sei ler. Quem sabe ler é minha
esposa”, conta. Sem informações, Antônio interpreta os avisos de cobrança como
cartas de despejo. “Vai ter que desocupar o apartamento”, acredita. Ele morava
na ocupação da rua Ipadu e trabalha carregando entulhos e fazendo mudanças com
sua carroça e seu cavalo, o Xuxa.
Creuza da Silveira e a mãe, Conceição de Oliveira,
também moravam na ocupação da rua Ipadu. Creuza é analfabeta e recebeu as
cartas de cobrança no valor de R$ 76 mil. Quem sabe ler é o filho. “Meu nome
está sujo, vem escrito na carta, com meu CPF.” A única documentação que
entregaram a ela foi uma cópia genérica de um contrato do Minha Casa, Minha
Vida em que, no lugar do nome e dos valores, consta uma sequência de xis e
campos em branco.
Elaine Santos, 34, ex-moradora da rua Ipadu, não
recebeu cartas de cobrança, mas já se sente afetada pelo clima de incertezas.
“Nem leite estou produzindo mais porque estou me estressando tanto. Nem leite”,
fala a mãe de cinco filhos, entre eles um bebê de menos de um mês. “Não vou
mentir que era bonito, era feio. Mas lá era sossego. Era da gente. E aqui
ninguém tem documento, e vem esse boato que querem tirar… Como a gente vai
provar que aqui é nosso?” Ela conta que assinou o contrato, mas também não
recebeu nenhuma cópia da Prefeitura.
Após as primeiras entrevistas no Condomínio Colônia
Juliano Moreira, a reportagem da Pública foi procurada por diversos moradores,
que confirmaram o clima de medo, insegurança e indignação, por causa da
situação. Muitos temem perder a casa porque não têm como provar que são donos
dos apartamentos.
Isabela Cristina Oliveira Santos, de 22 anos, diz que
sua irmã tentou registrar a comprovação de assinatura do contrato. “Minha irmã
assinou e não pôde tirar foto, porque falaram que ela tinha que esperar. Nisso
de esperar, o nome dela está sujo.” Já Isabela não assinou nenhum contrato até
hoje, mesmo tendo entregado a documentação necessária à Prefeitura, segundo
relata. “A gente está aguardando para ver que dia a gente vai poder assinar o
papel do Banco do Brasil. Quando eu puxei no Serasa, não acusou nada. A gente
liga quase todos os dias para a Prefeitura. Dizem que tem que aguardar porque a
documentação está toda com o banco. Nunca informam nada para a gente.”
Isabela Santos e o marido,
Gilmário Antônio, enfrentam clima de incertezas no
condomínio Colônia Juliano
Moreira. Foto: Beth McLouglhin/Agência Pública
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Giselle Murad da Silva, de 22 anos, professora, só
descobriu que o nome estava sujo quando foi prestar um concurso público. Ela
morava com a mãe, Sandra Murad da Silva, 47 anos, na Vila União de Curicica, em
uma casa com quintal, copa, sala, quartos e terraço. Sandra era moradora da
Vila União havia 27 anos, até a chegada da Transolímpica. Como outros moradores
do Condomínio Colônia Juliano Moreira, o único documento referente ao
apartamento que ela possui é um modelo de contrato não assinado e com espaços
em branco.
“Foi tudo feito pela Prefeitura com o Banco do Brasil.
E ela recebe direto e-mail, a gente recebe carta cobrando, dizendo que a gente
deve R$ 75 mil ao Banco do Brasil. Mas a gente não deve nada, nós trocamos
chave por chave!”, indigna-se Sandra. Giselle reclama do assédio do banco. “Me
ligam, me mandam mensagens no celular, tenho diversas mensagens do Banco do
Brasil dizendo que é para eu regularizar meu débito. Mas eu não tenho débito no
Banco do Brasil. Nem conta no Banco do Brasil eu tenho.”
Na Vila União, além da casa em que morava com a mulher
e o filho, José mantinha uma oficina mecânica de forma autônoma. Ele também diz
que não foi indenizado pela oficina, perdeu diversas ferramentas e equipamentos
mecânicos e hoje está desempregado. “Nós assinamos um monte de documento
coletivamente, não tinha tempo hábil para ninguém ler. O prefeito [Eduardo
Paes] prometeu que era troca de chaves, que a gente estaria com o apartamento
quitado, que receberíamos uma escritura provisória e depois de dez anos viria a
definitiva. O que a gente recebeu foi a cobrança integral do valor do Banco do
Brasil, como se nós tivéssemos comprado o apartamento.”
Giselle Rodrigues tem sido
assediada pelo
Banco do Brasil para quitar uma dívida
que não é sua. Foto:
Jessica Mota/Agência Pública
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O vizinho delas, que
também morava ao lado na Vila União, comunidade removida para a Olimpíada, José
Pereira Filho, 52 anos, sofre com o mesmo problema e se diz decepcionado. “Já
fui mais de 20 vezes na Subprefeitura [da Barra e Jacarepaguá]. Fui esquecido,
só eles têm minha documentação. Eles não me deram papel nenhum. Eu acreditei na
palavra da Prefeitura”, conta.
De acordo com Paulo Magalhães, sociólogo e
ex-consultor da vice-presidência da Caixa Econômica Federal, esta é responsável
pela maior parte dos condomínios do programa Minha Casa, Minha Vida. “[No
Colônia] foi feito pelo Banco do Brasil, mas o procedimento é o mesmo. Só que o
Banco do Brasil não tem a mesma experiência
burocrática, de trâmites de documentação.”
Em contratos regulares do programa de habitação, as
pessoas pagam parcelas subsidiadas e, depois de cinco anos, recebem a
titularidade definitiva do apartamento. No caso daquelas que foram reassentadas
pela Prefeitura do Rio na modalidade “chave por chave” – perderam suas casas,
que seriam demolidas em troca de moradia pelo Minha Casa, Minha Vida –, a
obrigação de quitar as parcelas é da Prefeitura. A dívida dos moradores não
deveria existir. “Se a sua casa foi destruída, você não paga. Evidentemente,
essa é uma operação financeira cruzada. Alguém tem que pagar”, explica Paulo
Magalhães.
“Em tese, quando as pessoas vão ocupar o imóvel,
quando vão receber as chaves, assinam um contrato. Esse contrato é fundamental
porque, mesmo que você não tenha o título da propriedade, o contrato é a sua
garantia”, diz Magalhães. Esse contrato deveria estar nomeado e assinado pelo
banco, pela Prefeitura e pelo morador.
Procurado pela Pública para esclarecer a situação, o
Banco do Brasil negou-se a dar entrevistas e respondeu que “cumpriu todas as
suas obrigações até o momento e aguarda do ente público a regularização da
situação”. O banco não respondeu aos questionamentos da Pública sobre não ter
entregado cópias dos contratos aos moradores.
A Secretaria de Habitação da Prefeitura do Rio de
Janeiro afirmou, em nota, que o imbróglio se deu por um atraso do banco na
liberação das informações das prestações dos contratos. A secretaria diz que “o
pagamento das prestações dos imóveis das famílias reassentadas no Condomínio
Colônia Juliano Moreira está sendo regularizado”. Após “entendimentos” entre o
Banco do Brasil e o órgão público, a informação é que “a questão está
equacionada para que o repasse seja realizado”.
A secretaria informa que a documentação será entregue
após registro em cartório, mas não respondeu quando isso acontecerá.
*O
trecho anteriormente dizia: “Até a publicação desta matéria, a Secretaria de
Habitação da Prefeitura do Rio não havia informado quantas pessoas foram
reassentadas naquele residencial.” O texto foi atualizado às 15h50 para incluir
informação enviada pela Secretaria de Habitação da Prefeitura do Rio.
Por
Jessica Mota com colaboração de Beth McLoughlin.
Fonte:
Agência Pública
Tomado
do Portal Desacato
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