São
Miguel do Oeste/SC
Padre Reneu ao lado do quadro que recorda D.José Gomes, o bispo dos pobres, dos sem terra, dos índio, das mulheres... |
Não faz muito tempo havia um homem. Todos diziam que
ele era um fora da lei. Andava com as putas, comia na casa dos chamados
“malfeitores”, circulava pelas beiras de cais, nas vielas escuras e nas moradas
dos enfermos. Ele poderia ter ficado na sua terra, fazendo seus móveis. Mas,
não, preferiu caminhar com os desvalidos, abraçar os bêbados, confortar as
adúlteras, amainar a dor dos desgraçados. Ele tinha muito amor no coração. E
talvez esse tenha sido seu grande erro. Pois quem, sendo mau, pode aguentar o
amor?
Nos caminhos desse homem foram se juntando os que eram
sedentos de carinho, mas também, pelas beiradas, começaram a vigiar os que
sempre viveram de sugar o sangue dos pobres: os ricos, os doutores da lei, os
sacerdotes da elite, os abonados, os graúdos. Eles se reuniam e sussurravam
contra o homem. Quem é esse que ousa dizer que o amor pode ser a maior das
dádivas? E tramaram contra ele. E o acusaram de louco, de bandido, de
subversivo. Vomitaram tanto ódio contra ele que chegaram a convencer a uma
multidão que ele deveria morrer por ter cometido o grande pecado de gritar
contra a injustiça e a opressão. Esse homem ficou conhecido como Jesus, o
nazareno. Mas ele poderia ter muitos outros nomes.
Ao longo dos tempos, na história humana, todo aquele
que se levanta em rebelião contra a dor, a opressão, a injustiça e a falta de
amor sofre a mesma longa caminhada de tortura e morte, tal qual o jovem
palestino de Nazaré. E se eles se indignam, se trovejam suas vozes contra o
crime, eles é que viram vilões. E os graúdos das vilas, das cidades, dos
países, incitam as gentes contra eles, e os matam como bandidos.
Pois assim está sendo com o padre Reneu Zortea, da
paróquia de São Miguel Arcanjo, na cidade de São Miguel do Oeste. Acusado de
"comunista" por um locutor de uma rádio local (Rádio Peperi), que
também é vereador pelo PSDB, ele está sofrendo ataques de toda ordem via as
ondas do rádio. Como se fora nos velhos tempos da inquisição, o radialista e
vereador usa de uma concessão pública, a emissora de rádio, para incitar a
população contra o padre. Tudo porque num de seus sermões, ele se manifestou
contra o golpe que foi dado no país. O padre, que caminha com os oprimidos, com
os trabalhadores, com as gentes empobrecidas, é quem está sendo massacrado.
Como na velha história milenar. O vereador Raul Gransotto, não satisfeito em
trovejar impropérios contra o padre na rádio, usa das redes sociais para
ameaçar o “comunista”.
Apenas Gransotto votou a favor de sua moção |
Na sessão da Câmara, dessa terça-feira (17) ele tentou
passar uma moção de repúdio contra o padre, usando dos mesmos recursos tão bem
conhecidos nos tempos dos coronéis. Ameaças à jornalistas críticos, ameaças às
gentes que foram defender o padre, ofensas contra os jovens que se
manifestavam, e gritos contra o “comunismo”. Por fim a tal moção sugerida não
recebeu qualquer voto favorável e o vereador teve se engolir a bravata. Mas, ao
que parece, o ataque contra o padre Reneu não deverá ficar por aí, pois o
vereador dublê de radialista disse que isso é “apenas o começo”.
O padre Reneu é bem conhecido na região oeste,
justamente pelo trabalho social que desenvolve. De voz mansa e gestos serenos,
ele tem aquela doçura jesuânica de quem decidiu seguir os passos do mestre
nazareno. Mas, incitados pelo ódio radiofônico de todo dia, algumas pessoas –
possivelmente de fora da paróquia – chegaram a profanar a igreja de São Miguel
Arcanjo, fazendo cocô em frente ao altar. Tudo isso vem gerando conflito na
cidade entre os que se mostram a favor do vereador do PSDB e os paroquianos que
vivenciam, desde há anos, o generoso trabalho pastoral do padre Reneu.
Jornalista e jovens que defendem a vida e apoiam o Padre Reneu, vem sofrendo seguidas ameças e intimidações |
O fato é que o clima nacional de caça aos “vermelhos”,
que voltou com força durante a cruzada midiática contra o PT, se traveste de
cruzada local visando a destruição de “inimigos” mais próximos. Tal como na
ditadura militar quando pessoas acusavam de “comunistas” seus inimigos pessoais
ou mesmo pessoas com as quais tinham rixas fúteis, tudo se repete. Os
oportunistas de plantão, gerentes da classe dominante, usam de seus espaços
públicos – rádio e câmara de vereadores – para suas cruzadas pessoais.
Reneu não está sozinho, sua doçura jesuânica e a luta pela vida mobilizaram a comunidade migueloestina que lotaram o plenário da câmara de vereadores |
Reneu Zortea tem vivido seu sacerdócio como o nazareno
viveu na antiga Palestina. Caminhando com os pequenos, organizando as
comunidades, espalhando seu sorriso e seu afeto aos que batalham no cotidiano
da cidade, que ainda preserva seu ar rural. Ele é o que se embrenha nas veredas
quando alguém precisa dele, o que consola, o que acolhe e o que diz a palavra
que alimenta. Sim, porque Reneu vive o evangelho que prega. Não é um capacho
das elites, é parte das gentes e com ela anda. Por isso, agora, sofre os
ataques daqueles que servem de escudo para os poderosos.
Por
Eliane Tavares – Palavras Insurgentes
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