Sempre senti muito
apreço pelos meus pais. Trabalhadores da roça a exemplo de muitos. O dia todo
passavam plantando, limpando o roçado. Foram muitas as vezes em que a noite se
fez pouca para descansar depois de tanta labuta. Humildes, o dinheiro era uma
nuvem, distante. Recordo de bons momentos ao lado do fogão a lenha, do virado
de feijão, do mate e das conversas. A televisão ficava em segundo plano, quando
funcionava. Mas isso não era o mais importante.
Cresci tendo a
referência de homens e mulheres da roça que nunca precisaram se fantasiar de
si, pois de fato, eram o que viviam, ensinavam para a gente o que cultivavam,
mostravam que a boniteza da vida estava nos momentos simples de partilha, uma
partilha talvez esquecida nos dias de hoje. Sempre vi meu pai usar chapéu de
palha, minha mãe a calçar botas e usar uma roupa mais simples para trabalhar na
plantação. Mas ao sair para ir até a cidade, para frequentar um ambiente
diferente, pois festas eram poucas as que participávamos, vestiam-se com a
roupa ‘de domingo’.
Minha mãe nunca
foi de usar muito batom, muito menos, vestir roupas escandalosas. Era um jeito
simples, mas bonito de se ver. Estou narrando esse contexto porque percebo como
as pessoas têm sido reféns do deboche referenciado e vendido nas festas
juninas, (julinas). Outro dia, vi uma moça e um moço, “fantasiados de
caipiras”. A menina usava um vestido apertadíssimo, curto, colorido de doer os
olhos, batom que ultrapassava a boca até chegar nos olhos e ainda fazia voltas
na face. Um acumulado de tinta que, ao analisarmos as festividades folclóricas
juninas, não tem ‘prestância’ alguma.
Não quero aqui,
falar em moralismo, mas sinto falta de uma cultura junina que não seja
massificada. Um amigo do Nordeste me escreveu outro dia e perguntou-me se a
gente vivia essa cultura das festas juninas. Falei que existia algo por aqui,
mas de um jeito muito comercial. E ele me respondeu: “Eita, assim não presta
não. Aqui é popular. Estamos preparando o pirão, o biju e baião de dois. É
festa, aqui um leva milho, outro galinha, outro vinho, outro pamonha, assim vai
fazendo a festa sobre a fogueira”.
Ainda recordo que
nos tempos de escola erámos obrigados a participar da festa, fazer gincana,
competir, ‘fantasiar-se de caipira’. Ao lembrar disso, não sinto saudade alguma
e ainda me causa repúdio a maneira como as escolas trabalham esse assunto, como
se ‘fantasiar’ os estudantes fosse algo divertido. Como se o casamento caipira
tanto encenado e debochado representasse uma boa referência para a nossa
cultura e quem a dissemina.
Passei a concordar
com o que Mário Sérgio Cortella fala quando refere-se as festas juninas de
hoje. Segundo ele “Muitas escolas degradam a cultura popular brasileira ao
fazerem simulacros de “festas juninas”. Mesmo tendo em conta o imenso esforço
feito pelas professoras (semanas de ensaios!), as crianças são fantasiadas de
caipiras (roupas remendadas, dentes falhados, bigodes e costeletas horrorosas,
chapéus esgarçados, andar trôpego e espalhafatoso e um falar incorreto), como
se os trabalhadores rurais assim o fossem por gosto, ingênuos e palermas.
Poucas escolas explicam a origem das festas e a importância do cidadão
campesino e resguardam sua dignidade; poucas, ainda, destacam que a falha no
dente não é algo que aquele brasileiro ou aquela brasileira tem para ficar
“engraçados” (são desdentados por sofrimento)”.
Por sofrimento!
Muitos trabalhadores\as do campo tem suas roupas remendadas pelo trabalho que
exercem. Ou acredita-se mesmo que no campo como Cortella fala tudo é belo,
fácil, tranquilo. Se tivéssemos uma reforma agrária revestida em todo cenário,
talvez. Acredito que, em clima ‘junino’, ‘julino’, as escolas possam trabalhar
melhor as origens deste festejar, que inclusive não corresponde apenas a São
João, mas remonta a épocas bem mais antigas, onde lembrados, Santo Antônio, São
João e São Pedro afugentavam demônios durante rituais.
Sem dúvida, é mais
fácil simular uma festa baseada na socialização arrecadativa de dinheiro para
os educandários, seguindo um sistema industrial capitalista que comercializa
uma imagem distorcida do Caipira, criando simbolismos e retratando os
trabalhadores do campo como se fossem “ninguéns” e ainda, favorecendo um
mercado que superfatura com falsos vestidos e bigodes caipiras.
Mas creio que a
educação pela educação, o fazer pelo fazer, não são libertadores e nem
despertam consciência nos estudantes, inclusive, muitas vezes, é na escola que
os estudantes buscam uma referência e quando essa instituição falha, como
cobrar um pensar mais crítico para aqueles onde nem mesmo o conhecimento
histórico sobre essas festividades culturais é repassado? Vale refletir. Ainda
temos tempo.
Até a próxima!
Por Claudia
Weinman
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