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segunda-feira, 6 de julho de 2015

Festas juninas massificadas: Um ataque a nossa cultura e a formação de consciência

Sempre senti muito apreço pelos meus pais. Trabalhadores da roça a exemplo de muitos. O dia todo passavam plantando, limpando o roçado. Foram muitas as vezes em que a noite se fez pouca para descansar depois de tanta labuta. Humildes, o dinheiro era uma nuvem, distante. Recordo de bons momentos ao lado do fogão a lenha, do virado de feijão, do mate e das conversas. A televisão ficava em segundo plano, quando funcionava. Mas isso não era o mais importante.

Cresci tendo a referência de homens e mulheres da roça que nunca precisaram se fantasiar de si, pois de fato, eram o que viviam, ensinavam para a gente o que cultivavam, mostravam que a boniteza da vida estava nos momentos simples de partilha, uma partilha talvez esquecida nos dias de hoje. Sempre vi meu pai usar chapéu de palha, minha mãe a calçar botas e usar uma roupa mais simples para trabalhar na plantação. Mas ao sair para ir até a cidade, para frequentar um ambiente diferente, pois festas eram poucas as que participávamos, vestiam-se com a roupa ‘de domingo’.

Minha mãe nunca foi de usar muito batom, muito menos, vestir roupas escandalosas. Era um jeito simples, mas bonito de se ver. Estou narrando esse contexto porque percebo como as pessoas têm sido reféns do deboche referenciado e vendido nas festas juninas, (julinas). Outro dia, vi uma moça e um moço, “fantasiados de caipiras”. A menina usava um vestido apertadíssimo, curto, colorido de doer os olhos, batom que ultrapassava a boca até chegar nos olhos e ainda fazia voltas na face. Um acumulado de tinta que, ao analisarmos as festividades folclóricas juninas, não tem ‘prestância’ alguma.

Não quero aqui, falar em moralismo, mas sinto falta de uma cultura junina que não seja massificada. Um amigo do Nordeste me escreveu outro dia e perguntou-me se a gente vivia essa cultura das festas juninas. Falei que existia algo por aqui, mas de um jeito muito comercial. E ele me respondeu: “Eita, assim não presta não. Aqui é popular. Estamos preparando o pirão, o biju e baião de dois. É festa, aqui um leva milho, outro galinha, outro vinho, outro pamonha, assim vai fazendo a festa sobre a fogueira”.

Ainda recordo que nos tempos de escola erámos obrigados a participar da festa, fazer gincana, competir, ‘fantasiar-se de caipira’. Ao lembrar disso, não sinto saudade alguma e ainda me causa repúdio a maneira como as escolas trabalham esse assunto, como se ‘fantasiar’ os estudantes fosse algo divertido. Como se o casamento caipira tanto encenado e debochado representasse uma boa referência para a nossa cultura e quem a dissemina.

Passei a concordar com o que Mário Sérgio Cortella fala quando refere-se as festas juninas de hoje. Segundo ele “Muitas escolas degradam a cultura popular brasileira ao fazerem simulacros de “festas juninas”. Mesmo tendo em conta o imenso esforço feito pelas professoras (semanas de ensaios!), as crianças são fantasiadas de caipiras (roupas remendadas, dentes falhados, bigodes e costeletas horrorosas, chapéus esgarçados, andar trôpego e espalhafatoso e um falar incorreto), como se os trabalhadores rurais assim o fossem por gosto, ingênuos e palermas. Poucas escolas explicam a origem das festas e a importância do cidadão campesino e resguardam sua dignidade; poucas, ainda, destacam que a falha no dente não é algo que aquele brasileiro ou aquela brasileira tem para ficar “engraçados” (são desdentados por sofrimento)”.

Por sofrimento! Muitos trabalhadores\as do campo tem suas roupas remendadas pelo trabalho que exercem. Ou acredita-se mesmo que no campo como Cortella fala tudo é belo, fácil, tranquilo. Se tivéssemos uma reforma agrária revestida em todo cenário, talvez. Acredito que, em clima ‘junino’, ‘julino’, as escolas possam trabalhar melhor as origens deste festejar, que inclusive não corresponde apenas a São João, mas remonta a épocas bem mais antigas, onde lembrados, Santo Antônio, São João e São Pedro afugentavam demônios durante rituais.

Sem dúvida, é mais fácil simular uma festa baseada na socialização arrecadativa de dinheiro para os educandários, seguindo um sistema industrial capitalista que comercializa uma imagem distorcida do Caipira, criando simbolismos e retratando os trabalhadores do campo como se fossem “ninguéns” e ainda, favorecendo um mercado que superfatura com falsos vestidos e bigodes caipiras.

Mas creio que a educação pela educação, o fazer pelo fazer, não são libertadores e nem despertam consciência nos estudantes, inclusive, muitas vezes, é na escola que os estudantes buscam uma referência e quando essa instituição falha, como cobrar um pensar mais crítico para aqueles onde nem mesmo o conhecimento histórico sobre essas festividades culturais é repassado? Vale refletir. Ainda temos tempo.

Até a próxima!

Por Claudia Weinman

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