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quarta-feira, 19 de junho de 2019

Aos 65 anos e sem patrocínio, treinadora que lapidou talento de Marta continua formando jogadoras em Belo Horizonte

Vera Lucia abriu espaço para  Marta em 2000
No início da carreira, camisa 10 da seleção foi recebida em Belo Horizonte pela técnica Vera Lúcia, do Santa Cruz, a pedido da amiga Ludmila. Hoje, aos 65 anos, continua treinando meninas na Barragem Santa Lúcia
Em 2002, o Vasco encerrou as atividades do futebol feminino e Marta, uma menina de 16 anos, não via alternativa a não ser voltar para Dois Riachos. Foi da pequena cidade do interior de Alagoas, de 11 mil habitantes, que ela havia partido algum tempo antes para o Rio, em viagem de três dias de ônibus, com o sonho de se tornar jogadora profissional. Mas as portas fechadas em São Januário deixaram a alagoana de malas e chuteiras nas mãos. Foi quando a mineira Ludmila, que jogou com Marta em um torneio de base, teve uma ideia: ligar para sua treinadora em Belo Horizonte pedindo uma oportunidade e duas passagens de ônibus, pois não tinham um centavo no bolso.
O pedido foi atendido. A responsável por acolher e treinar aquela que viria a ser eleita seis vezes a melhor do mundo é Vera Lúcia Pereira, uma atacante atrevida na década de 1980 com a camisa do Racing, do Bairro Universitário, e que, aos 65 anos, continua formando jogadoras nos campos de terra batida de BH. Sem patrocínio e de forma voluntária.
No início dos anos 2000, Vera montou um time campeão no Santa Cruz, na região Nordeste de Belo Horizonte, dando oportunidade de trabalho para jogadoras como a jovem Marta, além de Formiga, Marisa e Fanta, que já brilhavam com a camisa da Seleção Brasileira. O time venceu tudo que disputou e Marta fez gol à revelia. Logo, a técnica deu a atacante à camisa 10, que tornaria a marca registrada da atleta.
“A Marta foi disputar o Mundial Sub-20 no Canadá e ficou conhecendo a Ludmila, que era minha atleta, pois eu sempre mandava jogadoras para a Seleção. Quando voltaram, o Vasco tinha fechado o time e ela disse: ‘Vou ter que voltar para minha terra e lá nem seleção, nem ninguém vai lembrar-se de mim’. Foi quando a Ludmila me ligou, mandei o dinheiro e elas vieram”, lembra Vera Lúcia. “Chegou aquela moça humilde, logo se adaptou ao time e vimos que era uma atleta diferente.”
Marta foi morar em um apartamento com outras jogadoras no bairro Madre Gertrudes. Recebia um salário que era basicamente uma ajuda de custo. Os poucos patrocinadores forneciam material esportivo e até legumes e verduras que a própria comissão técnica de Vera Lúcia, buscava em uma kombi na Ceasa, em Contagem. Durante a semana, jogava na quadra, graças a uma parceria com o Poliesportivo de Contagem. Sábado e domingo brilhava com a camisa do Santa Cruz em gramados desgastados e campos de terra batida.
Foi com a camisa do Santa Cruz que a Marta chegou a seleção
A passagem de Marta pela capital mineira terminou em 2004, quando chamou a atenção do futebol sueco e se transferiu para o Umea. “O pessoal de lá me ligava 20 vezes por dia para ela ir para a Suécia. Acabou que ela foi. Aqui não fez contrato, nem nada, por isso não recebemos nada”, conta.
Desde sua partida, Marta esteve em Belo Horizonte, visitou Vera Lúcia algumas vezes e prometeu à treinadora voltar em breve. Recentemente, em entrevista ao site do Mineirão, Marta relembrou o período em BH. “Fiz amizade com muita gente, tenho amigos até hoje, como a Vera, que era a dona do time”, disse a atacante. Vera se orgulha: “Ela continua a mesma menina humilde até hoje. Outra Marta nunca vai aparecer, para mim ela é um gênio”.
Aos 65 anos, Vera continua se dedicando à formação de atletas, dando treino duas vezes por semana na barragem Santa Lúcia. De lá, saíram algumas das atletas que formaram a equipe do Atlético. O maior objetivo da treinadora é reativar seu projeto pessoal, o time do Juventus, de camisa grená, que tem o escudo acompanhado de seis estrelas – uma homenagem aos seis títulos de melhor do mundo da jogadora mais ilustre que passou por suas mãos.

Por Renan Damasceno /Estado de Minas
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