Eu não participei da campanha
#meuprimeiroassedio.
Não tive a coragem necessária para fazer
meu relato.
Porque ele me fere, fere minha família que
só soube quando eu tinha 21 anos e convive com a dor de não ter podido me
proteger.
Não consegui dar o meu depoimento mesmo
sabendo que a falta dele fundou em mim uma autoimagem negativa e culpada.
Não sei ao certo quanto tempo durou e nem
que idade tinha, só sei que tinha menos de 7 anos e que essa seria apenas a
primeira violência sofrida pela criança que fui na São Paulo dos anos 1980, sob
a sombra do governo Paulo Maluf.
Apesar do meu silêncio, ou por causa dele,
foi para falar deste tema que, pela primeira vez, meu pai me convidou para
ocupar o espaço dele, como uma voz feminina, destoante de seu mundo
futeboleiro.
Eu não gosto de dizer não para o meu pai
e, se acho lindo que ele participe da iniciativa, me sinto obrigada a fazer
minha parte.
No fim da semana passada, as mulheres
tomaram as ruas e cantaram #foracunha com indignação e alegria, num clima que não
se via desde junho de 2013.
Este grito finalizou apoteoticamente uma
semana em que o aparecimento de Simone de Beauvoir em uma prova do ensino
público chocou a tradicional família brasileira que, como diz Caetano, vê tanto
espírito no feto e nenhum no marginal.
Mas se um texto de uma filósofa (texto de
1949, diga-se) causou mais barulho do que a tentativa, na mesma semana, de
diversos ataques do Congresso Nacional, na figura de seu odioso presidente
Eduardo Cunha, aos direitos humanos básicos das mulheres, assistir a homens
adultos sexualizando e objetificando uma menina de 12 anos em um programa de
culinária foi demais para um número enorme de mulheres, não necessariamente
ligadas à militância feminista.
E uma onda de relatos de seus primeiros
sofrimentos causados pela violência machista tomou conta da internet.
Não tem mais volta.
O que está dito está dito e não há mais
como negar que se cometem violências atrozes contra as mulheres desde que são
crianças, para que fique claro desde sempre que estão no mundo para se submeter
ao desejo masculino, para servir, para obedecer.
A luta é apenas pelo direito à vida plena
e em igualdade de condições e é chocante que, em 2015, ainda estejamos lutando
pelo direito ao corpo, para que ninguém, nem o Estado nem as pessoas, se sinta
no direito de violá-lo.
Nosso grito agora ocupa as ruas e as redes.
A bola está com a gente e se, por acaso,
passar pelo pé de um homem, esperamos dos caras que acreditam que o mundo pode
ser melhor, que devolvam o passe para a gente chutar para o gol.
#AgoraÉQueSãoElas
POR CAMILA KFOURI
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