Quando alguém fala a palavra esporte, a primeira
ideia que vem à mente é alguém num pódio, recebendo uma medalha. Atletas que
dedicam suas vidas ao treinamento exaustivo e que, num determinado campeonato,
certame ou olimpíada garantem seu momento de glória. Mas, se a pessoa resolver
caminhar pelas ruas da sua cidade, vai perceber que o esporte tem outra dimensão,
que é a do movimento do corpo, em brincadeiras e folguedos, por pura diversão.
Um campinho com meninos correndo atrás de uma bola, sem delimitações de campo,
sem gol. Só a gritaria e o drible, entre risadas. Ou meninas pulando corda,
garotos dando cambalhotas, fazendo manobras radicais com suas bicicletas
velhas, voando nos skates. Um vôlei na praia, o dependurar-se nas árvores, a
correria do pega-pega. Tudo isso é movimento, é esporte.
Nas grandes cidades esses folguedos estão cada dia
mais raros. A vida nos apartamentos, a maneira como o espaço urbano se
organiza, tiram das crianças as possibilidades do movimento prazeroso. E é por
conta disso que existe a luta cotidiana por parques, jardins e espaços de
lazer. Porque é da natureza do humano esse movimentar-se, por puro gosto. Ainda
assim, para as administrações públicas, o esporte está sempre ligado ao
processo de treinamento e competição. Não é sem razão que as políticas públicas
aplicadas ao esporte preocupam-se mais com as construções de ginásios e com a
preparação e atletas de rendimento. Raros são os administradores que conseguem
ligar o esporte com o lazer e a saúde. Poucos compreendem que um espaço vazio
no meio da cidade pode ser um lugar de encontro da molecada para diversos
folguedos.
Muitas vezes, contratar um profissional de educação
física para coordenar atividades físicas de lazer e brincadeira pode ser muito
mais benéfico e eficaz do que a construção de uma arena multiuso. Não que não
precisem existir espaços para treino e competição, mas isso não pode ser a
única política. A rua é espaço de movimento e nela estão centenas de milhares
de crianças esperando por um incentivo. A maioria não está pensando em ser um
grande atleta, apenas quer brincar. É fato que para as administrações é muito mais
vantajoso qualificar um ou outro campeão, para que quando ele vença as
disputas, carregue o nome da cidade ou do estado. Mas, enquanto um se destaca,
ficam pelos caminhos milhares de outros, sem qualquer chance de viver sua
criancice.
Nesse mês vivemos a iminência de uma eleição
presidencial e uma boa olhada nos programas de governo dos candidatos já nos
dão alguma ideia de como o esporte é tratado. No geral, as propostas ficam no
campo do já existente. Melhorias dos equipamentos públicos, mais incentivo para
os atletas, propostas um tanto vagas de incentivo ao esporte e lazer, sem dizer
como esse incentivo seria dado. Nenhum deles apresenta uma proposta realmente
nova, como a que os profissionais de educação física vêm construindo desde há
anos, de valorização das práticas multiculturais, com adoção de políticas
claras para atividades de esporte comunitário, que garante participação e
diversão para pessoas que não estão interessadas na lógica mercantil que o
esporte hoje vivencia. Talvez a construção de espaços públicos onde pessoas de
outras idades – não apenas crianças – também possam aprender um jogo, praticar
um esporte, com o necessário acompanhamento de um profissional. Escolas
públicas de esporte, por exemplo, específicas, com qualidade e gratuitas,
capazes de acolher as pessoas com suas habilidades e limitações, dando-lhes a
chance de realizar práticas esportivas sem o apelo do evento, da indústria ou
da competição. Lugares onde podem sim nascer campeões, mas que também sejam
sensíveis aos que simplesmente querem “balançar o esqueleto”, garantindo assim
saúde e vida plena.
O centro de referência de Rio Grande
Hoje, na cidade de Rio Grande, no Rio Grande do
Sul, cidade que viu nascer o primeiro clube de futebol brasileiro em 1900,
existe um projeto que busca essa ideia de esporte como espaço do lúdico, da
saúde e da participação política. É o Centro de Referência Esportiva, que, por
enquanto, trabalha apenas com crianças e adolescentes, utilizando a metodologia
do esporte educacional. O trabalho é realizado em parceria com a
Petrobras, e atua em seis frentes esportivas: futebol, basquete, vôlei,
natação, taekwondo e box. Todos esses esportes são ensinados gratuitamente a
mais de 600 crianças e adolescentes. A proposta básica é: ensinar as bases técnicas
dos esportes, mas sem perder o vínculo com a alegria e a democratização dos
jogos populares. Não é por acaso que a atividade mais esperada é o Festival.
Nele, as crianças e os adolescentes mostram o que aprenderam, trocam
experiências e realizam brincadeiras junto com os pais, parentes e amigos. O
esporte vira prática comunitária. Não é um evento feito para vender comida,
camisas ou gente. É só a explosão da alegria.
Nesse processo, o compromisso é justamente discutir
e praticar novas propostas teóricas, novas metodologias, balizando o trato da
educação esportiva de jovens - crianças e adolescentes - moradores de
comunidades em situação de empobrecimento econômico e risco social,
incorporando práticas esportivas de cunho educacional, solidário e cooperativo,
o que permite um olhar alternativo sobre o esporte que, acredita-se, possa se
refletir também em todo o processo educacional, seja formal ou não. Juntar
esportes clássicos com práticas populares leva o jovem a compreender que aquilo
que ele traz como cultura e vivência da rua tem valor. Assim, a cultura popular
também aporta significados ao trabalho sistemático, típico da ciência. É outra
maneira de olhar.
O projeto é, em si, um grande desafio, mas todos os educadores envolvidos estão seguros de que trabalhada de forma respeitosa, essa parceria entre a técnica e a alegria das ruas, só pode render resultados positivos. O esporte não é apenas uma forma de manter o físico ou disputar competições. Pode ser também espaço de construção de novas práticas que, saídas do movimento corporal, possam se incorporar na vida mesma, na política, na economia, no modo de organizar a existência. Quando abstrações como solidariedade, equidade e cooperação começam a ser vividas na prática, a tendência é uma mudança radical no cotidiano.
O projeto é, em si, um grande desafio, mas todos os educadores envolvidos estão seguros de que trabalhada de forma respeitosa, essa parceria entre a técnica e a alegria das ruas, só pode render resultados positivos. O esporte não é apenas uma forma de manter o físico ou disputar competições. Pode ser também espaço de construção de novas práticas que, saídas do movimento corporal, possam se incorporar na vida mesma, na política, na economia, no modo de organizar a existência. Quando abstrações como solidariedade, equidade e cooperação começam a ser vividas na prática, a tendência é uma mudança radical no cotidiano.
E é por isso que o Centro de Referência Esportiva
da cidade de Rio Grande aposta também na formação de professores, atuando em
parceria com educadores da rede pública de mais nove cidades do estado. A
proposta é tornar a prática da educação física nas escolas um espaço real de
inclusão das crianças, para que cada uma possa vivenciar a prática esportiva
dentro das suas limitações e no seu ritmo.
Escolas de esporte
Mas, essas são propostas pontuais, em lugares
pontuais, que precisariam se expandir para todo o país, sem que fosse
necessário viver o estresse de buscar recursos, realizar parcerias privadas,
participar de editais e coisas assim. Isso deveria ser política pública,
compromisso governamental para constituir uma geração de gente saudável, capaz
de viver o esporte como prazer e não como um momento de tortura no colégio.
E tudo isso também precisaria ser acompanhado de
perto por profissionais capacitados, para que as pessoas pudessem praticar os
esportes ou as atividades sem risco. Um exemplo de ação ineficaz é o das
“academias” populares que muitos administradores resolveram colocar pelas
cidades. É um conjunto de equipamentos para a realização de exercícios físicos
que se plantam nos bairros ou nos espaços mais frequentados como parques e
jardins. Ali, as pessoas que não têm condições de pagar uma academia de
ginástica, supostamente podem se exercitar e ficar em forma, como qualquer
cidadão de posses. Digo supostamente porque é uma enganação. Os equipamentos
vêm com algumas dicas de como usá-los, mas cada pessoa é uma pessoa. Precisaria
de um acompanhamento para ver se está fazendo o movimento correto, usando o
peso acertado para sua conformação corporal. E aí, um profissional de educação
física é fundamental. Nesse caso, a prefeitura deveria também contratar o
educador para acompanhar as práticas comunitárias. Isso sim seria uma bela
política pública de atendimento à população, afinal, o que se exercita – com
alegria e nos seus limites - frequenta menos o posto de saúde. Mas, do jeito como
é feito, o uso inadequado dos equipamentos causa mais problema que vantagem.
Na verdade, essas são medidas cosméticas, que não
estão comprometidas com as necessidades da população. As práticas esportivas
seguem sendo um divisor de classe. Os que têm dinheiro podem aceder às
academias, professores, técnicas, ginásios, complexos esportivos. Os que não
têm brincam na rua até que são pegos pela roda de moer que é o trabalho e tudo
o que conhecem de esporte é um joguinho de futebol no final de semana para os
homens e as estranhas “academias populares” que provocam torções e dores, para
as mulheres, quando muito.
Por isso insistimos nas escolas públicas de
esporte, espaços públicos onde as pessoas possam vivenciar práticas esportivas
de toda ordem, do basquete à peteca, e que possam abrigar crianças, jovens e
velhos na alegre e divertida prática de jogos e brincadeiras. Assim sendo,
podemos viver num mundo mais sadio. O esporte deve ser uma prática de todos.
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