Bastou um pouco
mais de 90 minutos de jogo - e, claro, o resultado atípico em termos históricos
- para que assistíssemos a algo que, se bem analisado, pode se tornar tão
intrigante quanto o resultado da semi-final que Brasil e Alemanha
protagonizaram. A derrota da seleção brasileira, com o fatídico 7x1 em favor da
Alemanha, trouxe à tona mais um episódio de incoerência e superficialidade na
cobertura da maioria da imprensa brasileira.
Ninguém questiona
a surpresa gerada pelo placar. Mas tão surpreendente quanto foi a rápida
mudança na linha editorial de dezenas de emissoras de rádio e TV, sites,
jornais e revistas. Do patriotismo exacerbado, com direito a aterrissagem de
helicóptero global nos treinos da seleção, ao quase que linchamento público de
alguns jogadores e da comissão técnica, salvo raras e honrosas exceções.
Editoriais e
opiniões que antes denotavam a seleção alegre, feliz, o grupo unido do menino
“Ney’ e de Felipão rapidamente mudaram o tom e elevaram as críticas àquela que
já chamam como a pior seleção brasileira dos últimos tempos. Uma situação que
beira, inclusive, a esquizofrenia, quando o peso recai sobre os próprios
privilégios.
O aspecto mais
emblemático é a critica acerca da exagerada exposição da seleção, com a
abertura dos treinos e da concentração à imprensa, quando, na realidade, são as
grandes emissoras, principalmente a Rede Globo, que se beneficiaram com links
diretos, entregas de carta das mães para os respectivos filhos/jogadores e até
participação ao vivo em programas de TV.
Já no que diz
respeito à exposição dos jogadores, não é exagero falar no circo de horrores ao
qual os jogadores da seleção brasileira, de forma quase que punitiva, foram
expostos em entrevistas e imagens nos minutos seguintes ao final do jogo.
As desculpas de
David Luiz para o público que lotava o Mineirão, acompanhadas pelas câmeras do
“plim-plim”; o choro desconsolado de Thiago Silva, filmado quase que na
íntegra; e as perguntas ácidas dirigidas aos jogadores dão a esse enredo um
contorno sádico e sensacionalista, como se a exposição da imagem sofrida dos
jogadores fosse um castigo justificado pelo resultado apresentado, ou uma das
melhores formas de consolar a população brasileira e tangenciar o verdadeiro
debate a ser feito: os problemas estruturais que enfrenta o futebol brasileiro.
De heróis a
vilões, meninos, em sua grande maioria, foram taxados como culpados no julgo
midiático, a ponto, inclusive, de serem
comparados a um outro “algoz” do Brasil da Copa de 50. Em entrevista
concedida e reproduzida pelos mais diversos canais de televisão, rádios e sites
de notícia, a filha de Barbosa - goleiro que tomou um gol do Uruguai no
Maracanã - chegou a dizer que, agora, seu pai poderia descansar em paz. Para
ela, Barbosa finalmente havia sido libertado de uma maldição de mais de 50 anos
e quem deveria carregar esse peso a partir de então seriam os jogadores da
atual seleção. Quase um pecado original.
Trata-se de um
viés que esconde a última característica dos elementos que foram destacados na
cobertura da grande mídia: a superficialidade do debate feito pelos analistas
esportivos. Quase em uníssono, as maiores emissoras do país, de forma
consciente, definiram um ângulo onde a exposição dos jogadores e da comissão
técnica acabaram desviando do foco o debate central e invisibilizado por tanto
tempo que pode ter levado a este resultado: o modus operandi do futebol
brasileiro, com seus cartolas, privilégios e muitas cifras, sobretudo.
Com poucas
exceções, como o programa Linha de Passe na ESPN e o comentário de Kennedy
Alencar na CBN, na noite trágica do dia 8 de julho não se discutiu a atual
formatação do futebol brasileiro, não foram problematizadas as questões que
envolvem a CBF e os seus dirigentes e, tampouco, foi levada à tona uma análise
sobre a organização dos campeonatos de futebol no Brasil e o montante
financeiro que isso envolve.
Nada disso é à
toa. Os números revelam, por exemplo, o lucro que a mais concentrada empresa de
comunicação do país angariou nesses últimos dias de Copa. Somente a Rede Globo
de Televisão faturou mais de 1,4 bilhão de reais com cotas de patrocínios.
Segundo a própria emissora, este seria um dos maiores pacotes de patrocínio em
uma Copa do Mundo.
Em uma entrevista
ao Portal Lance Net, Alex, o meio campo do Coritiba e membro do Bom Senso
Futebol Clube, traduziu o que se passa no futebol brasileiro e a verdade entre
a Rede Globo e o CBF: “A CBF cuida
apenas da Seleção Brasileira. Quem realmente cuida do futebol brasileiro é a
Globo”, afirmou.
Em uma situação de
vacas tão gordas, democratizar a discussão sobre o cenário atual do futebol
brasileiro seria extremamente arriscado. Melhor, portanto, criar uma novela da
derrota da seleção, onde nenhum capítulo, até agora, retratou ou problematizou
a reforma estrutural tão necessária para a nossa dita paixão nacional.
* Ana Carolina
Westrup é jornalista e integrante do Intervozes
Siga o blog pelo twitter: @Esportes_Debate
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