Essa
semana vivi, uma cena curiosa enquanto trabalhava com a pré-escola, uma turma
com crianças de 5 e 6 anos. Faltavam poucos minutos para terminar a aula de
Educação Física e um menino continuava de cabisbaixo apesar de alguns esforços
de alguns amigos para animá-lo.
Fui até
ele e perguntei o que havia acontecido ele me respondeu “é a minha bola
professor ela tá murcha”. Eu perguntei onde estava a sua bola e ele me trouxe.
Enquanto enchia a bola vi brotar no rosto do menino a alegria novamente, os
olhos brilharam e enfim ele sorriu, e se foi correndo atrás da sua bola.
A
primeira grande paixão de um menino é a bola. É impressionante o fascínio que
esse ser esférico, cheio de manias e vontades exerce sobre os meninos. Alguns
são abalados ou afetados, pela pelota de couro ainda muito cedo iniciam essa
relação logo após os primeiros passos. Para outros a coisa acontece mais tarde.
Mas sem duvida todo menino, aqui no Brasil pelo menos, que teve ou terá uma
infância sadia, vai ter uma relação de no mínimo admiração pela bola.
Vivi
minha infância numa cidade onde se tinha grandes espaços de lazer e não tinha
violência. Em frente à casa dos meus pais era possível vivenciar verdadeiras
batalhas campais pela atenção da pelota. A Bola, é ser caprichoso, como já
disse, cheia de manias. Foi lá no campinho de terra que descobri que nem todos
serão agraciados com o dom de ter o amor correspondido pela bola.
É isso
que difere os craques de nós reles mortais. Nos pés deles a bola corre solta,
tranquila, macia, seguindo cada comando do craque. Com uma perna de pau como
eu, não. A bola é impiedosa bate na canela e sai pra fora. Quando se tenta
chutar num canto, ela vai para o outro. Entretanto, essa relação não se resolve
assim de maneira fácil, passam se anos cortejando a bola. Experiências
magníficas que forjam o caráter de um menino. Nos campinhos de terra, vivíamos
como heróis ou vilões dependendo do desempenho com a gorducha.
Por vezes,
quando se encerravam os argumentos de uma contenda, entravamos em vias de fato,
para no instante seguinte continuarmos a disputa pela bola. Não era preciso
muito para acontecer o espetáculo, se jogava descalço no máximo com um kichute
(um tênis preto com garras de borracha que os meninos usavam para tudo desde
jogar bola até ir à missa). Uniforme? Nada. Quem levava o primeiro gol tirava a
camisa e fim de papo. Os gordinhos ou os magrelos sabiam que seriam
crucificados pelo seu porte físico fora dos padrões (na época não existia
bullyng), mas mesmo assim enfrentavam o desafio.
As traves
podiam ser qualquer coisa desde chinelos até troncos de arvore. Não
precisávamos da supervisão de um adulto, se definia as regras e a pelota
rolava. O surpreendente dessa relação que mesmo não correspondido pela bola
alguns insistem nesse amor. Estes se tornam zagueiros, torcedores enfurecidos,
técnicos de futebol e principalmente comentaristas de TV. Tem aqueles que negam
essa paixão e vão tentar a sorte em outro esporte.
Tudo isso,
para lembrar a vocês que por mais que exista a violência, por mais que exista
horário eleitoral, por mais que praticamente não existam mais espaços de lazer
nas cidades, por mais trágico que seja o cenário em que vivemos, enquanto
houver um menino feliz correndo atrás da sua bola, ainda existe esperança.
Por
Emerson Souza – educador físico, publicado originalmente no blog: http://escritosdeemersonsouza.blogspot.com.br
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