O Grupo de Investigação sobre o
Movimento do Contestado, do Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPQ,
certificado desde janeiro de 2011, integrado por pesquisadoras(es) de 8
Universidades do Sul do Brasil, vem a público manifestar sua enfática
discordância com a decisão proferida no dia 04 de julho de 2019 pela Instância
de Governança Regional do Vale do Contestado que, de maneira isolada
de seus Municípios, entidades educacionais, Universidades, órgãos legislativos
e Instituições de Memória da região, em reunião esvaziada, decidiu por mudar o
nome da região turística para Vale dos Imigrantes.
A decisão, que foi justificada em ata
como melhor maneira de ”se ver” e de “se vender” a região como roteiro
turístico, é absolutamente equivocada por razões econômicas, políticas, sociais
e históricas.
Em primeiro lugar é importante se
identificar que o nome “Vale do Contestado” é muito mais do que uma demarcação
“turística”. Trata-se de uma identidade regional construída em memória ao
conflito ocorrido entre 1912 e 1916 neste território que viveu um importante
episódio da História Brasileira e Catarinense, com o sacrifício de milhares de
homens, mulheres e crianças, principalmente das populações mais pobres e
desassistidas deste território: índios, negros, caboclos e imigrantes pobres. A
luta por terra, liberdade e dignidade, animada na tradição do monge João Maria,
ocupou amplos territórios do meio-oeste e planalto norte, central e sul de
Santa Catarina, onde mais de 10 “cidades Santas” se formaram, para construir
uma vida com justiça e dignidade. Além de reagir contra a arrogância de
Coronéis, empresa madeireira, a multinacional ferroviária e chefes políticos
autoritários, os sertanejos procuraram construir uma nova vida. O movimento
teve seguimento em outras regiões do sul do Brasil (como o movimento dos
indígenas de Pitanga, em 1923 ou o movimento dos Monges Barbudos em Soledade,
Rio Grande do Sul, em 1935). A partir dos anos 1980, com o processo de
redemocratização da sociedade brasileira, o nome Contestado deixou o
silenciamento forçado e passou a homenagear as pessoas que deram suas vidas por
um mundo melhor.
Em segundo lugar, se o objetivo é
criar uma marca turística regional, nada mais falso do que negar a História
local e buscar uma identidade forçada, que exclui setores significativos da
população local. Os imigrantes também participaram das “Cidades Santas” no
movimento do Contestado, sendo que muitos descendentes de alemães, italianos e
poloneses adotaram modos de vida e crenças dos caboclos da região. O primeiro
monge João Maria (Giovani Maria Agostini) era um italiano do Piemonte.
Portanto, a marca do Contestado, além de possuir uma História local, é
inclusiva agregando diferentes grupos étnicos. A oposição ao nome do Contestado
parece nascer de um preconceito contra as populações rurais tradicionais mais
pobres e a adoção de um modelo europeizado apaga a diversidade existente no
território. A opção pelo “Vale dos Imigrantes” é economicamente ineficaz, pois
se trata de vender o que não é representativo e de se desvalorizar o que se
possui.
Em terceiro lugar, o processo
decisório ignorou as populações, as Câmaras Municipais, as Universidades, os
Institutos Federais, as entidades da sociedade civil, pesquisadores, imprensa, os
Museus e demais Instituições de Memória de toda a região. A decisão não foi
precedida por um debate público efetivo sobre a questão. O argumento de que a
pauta da Governança foi deliberada com antecedência é absolutamente
insuficiente para resolver o déficit de participação social na deliberação. A
descrição de que o nome escolhido foi resultado de um tipo específico de
“dinâmica” entre os poucos nomes presentes à reunião, representando apenas 20
dos 50 Municípios da Região é inadmissível, uma vez que a representação além de
não contar com a participação de todos os municípios atingidos diretamente pela
questão, se restringiu unicamente ao setor do Turismo, excluindo todos os
demais setores da sociedade o direito de escolha acerca da denominação da região
em que vivem, e que os identifica enquanto sujeitos possuidores de memória e de
história. Os representantes que deliberaram eram, em sua maioria, secretários e
empresários de Turismo, poucos eleitos por suas comunidades. Trata-se de um
desrespeito aos mais de 500 mil habitantes deste território. Foi um equívoco
político total.
Desta maneira, como amigos e amigas
da população do Contestado, profundamente motivados por compromissos de
pesquisa e trabalho que envolvem responsabilidade, respeito e cuidado com as
populações que estudamos e acompanhamos há muitos anos, nos somamos a outras
Instituições, colegas pesquisadores e entidades da sociedade civil,
particularmente ao Fórum de Defesa da Civilização e da Cultura Cabocla e
exortamos os órgão públicos de Memória Municipais, Estaduais e Federais, a
Assembleia Legislativa de Santa Catarina, o Governo do Estado, a Fundação
Catarinense de Cultura e o Instituto do Patrimônio Histórico da União, o
Ministério Público Estadual, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina e, nas
palavras do monge João Maria, todos os que “são a favor da Justiça e dos que
sofrem”, que seja anulada a decisão de denominação da região e que retorne o
nome de “Vale do Contestado” a esta bela e acolhedora região.
Florianópolis, novembro de 2019.
Assinam entidades e indivíduos:
*Grupo de Investigação sobre o Movimento do
Contestado – CNPq;
*Associação Nacional de História, ANPUH, Núcleo
Santa Catarina;
*Observatório da Região e da Guerra do Contestado –
UEL;
*Lab. de Geografia, Território, M. Ambiente e
Conflito - GEOTMAC – UEL;
*Associação Paulo Freire de Educação e Cultura
Popular – APAFEC;
*Biblioteca Comunitária Alisson Zonta, Fraiburgo;
*Conselho de Entidades dos Bairros Nossa Senhora
Aparecida e São Miguel, Fraiburgo;
*Escola de Educação e Organização Popular do
Contestado;
*Fórum Regional em Defesa da Civilização e Cultura
Cabocla;
Prof. Paulo Pinheiro Machado – Depto. de História –
UFSC;
Profa. Márcia Janete Espig – Depto. de
História – UFPEL , Pelotas;
Prof. Rogério Rosa Rodrigues – Depto. de
História – UDESC;
Prof. Delmir José Valentini – Depto. de
História – UFFS, Chapecó;
Prof. Alexandre Assis Tomporoski - UnC, Canoinhas;
Prof. Flávio Braune Wiik- Depto. de C. Sociais
– Un. Est. Londrina;
Prof. Nilson César Fraga - Geografia - Un. Est. de
Londrina;
Prof. Jilson Carlos Souza, Educador e Comunicador Popular,
Fraiburgo;
Museóloga Letissia Crestani, Museu do Contestado,
Caçador;
Profa. Cristina Dallanora – Doutora em História –
UFSC;
Profa. Viviani Poyer – Universidade Federal
Fluminense \ FAPERJ;
Profa. Tânia Welter – Instituto Egon Schaden – São
Bonifácio – SC;
Prof. Cleber Duarte Coelho – Depto. de
Metodologia de Ensino – UFSC;
Prof. Ancelmo Schörner – UNICENTRO, Irati, Paraná;
Profa. Janaína Neves Maciel – UNIFACVEST, Lages-SC;
Prof. José Carlos Radin – UFFS, Campus Chapecó;
Profa. Alcimara Aparecida Foetsch, UNESPAR, União
da Vitória;
Profa. Fernanda Zanotti, Instituto Federal
Catarinense, Campus Videira;
Profa. Rita Inês Peixe, IFSC, Campus Itajaí;
Prof. Gabriel Carvalho Kunrath, UFPEL, Pelotas, RS;
Prof. Ricardo Eusébio Valentini, UFRGS, Porto
Alegre;
Profa. Natália Ferronato da Silva, UDESC, Prof
História;
Prof. Thyago Weingantner de Oliveira Ramos, Rio das
Antas;
Prof. Arthur Luiz Peixer, Rio das Antas;
Profa. Karoline Fin, Fraiburgo;
Prof. Matheus Giacomo de Luca, Florianópolis;
Acad. João Felipe Alves de Moraes, UDESC...
Para Assinar: As entidades e indivíduos que quiserem subscrever
este documento - que será encaminhado à diferentes autoridades municipais,
estaduais e federais – poderão fazê-lo enviando mensagem para o e-mail: centenariocontestado@gmail.com
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Essa iniciativa tem apoio do BED |
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