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quinta-feira, 21 de novembro de 2019

EM DEFESA DA MEMÓRIA, DA JUSTIÇA E DA CIDADANIA DAS POPULAÇÕES DO CONTESTADO

O Grupo de Investigação sobre o Movimento do Contestado, do Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPQ, certificado desde janeiro de 2011, integrado por pesquisadoras(es) de 8 Universidades do Sul do Brasil,  vem a público manifestar sua enfática discordância com a decisão proferida no dia 04 de julho de 2019 pela Instância de Governança Regional do Vale do Contestado que, de maneira isolada de seus Municípios, entidades educacionais, Universidades, órgãos legislativos e Instituições de Memória da região, em reunião esvaziada, decidiu por mudar o nome da região turística para Vale dos Imigrantes.
A decisão, que foi justificada em ata como melhor maneira de ”se ver” e de “se vender” a região como roteiro turístico, é absolutamente equivocada por razões econômicas, políticas, sociais e históricas.
Em primeiro lugar é importante se identificar que o nome “Vale do Contestado” é muito mais do que uma demarcação “turística”. Trata-se de uma identidade regional construída em memória ao conflito ocorrido entre 1912 e 1916 neste território que viveu um importante episódio da História Brasileira e Catarinense, com o sacrifício de milhares de homens, mulheres e crianças, principalmente das populações mais pobres e desassistidas deste território: índios, negros, caboclos e imigrantes pobres. A luta por terra, liberdade e dignidade, animada na tradição do monge João Maria, ocupou amplos territórios do meio-oeste e planalto norte, central e sul de Santa Catarina, onde mais de 10 “cidades Santas” se formaram, para construir uma vida com justiça e dignidade. Além de reagir contra a arrogância de Coronéis, empresa madeireira, a multinacional ferroviária e chefes políticos autoritários, os sertanejos procuraram construir uma nova vida. O movimento teve seguimento em outras regiões do sul do Brasil (como o movimento dos indígenas de Pitanga, em 1923 ou o movimento dos Monges Barbudos em Soledade, Rio Grande do Sul, em 1935). A partir dos anos 1980, com o processo de redemocratização da sociedade brasileira, o nome Contestado deixou o silenciamento forçado e passou a homenagear as pessoas que deram suas vidas por um mundo melhor.
Em segundo lugar, se o objetivo é criar uma marca turística regional, nada mais falso do que negar a História local e buscar uma identidade forçada, que exclui setores significativos da população local. Os imigrantes também participaram das “Cidades Santas” no movimento do Contestado, sendo que muitos descendentes de alemães, italianos e poloneses adotaram modos de vida e crenças dos caboclos da região. O primeiro monge João Maria (Giovani Maria Agostini) era um italiano do Piemonte. Portanto, a marca do Contestado, além de possuir uma História local, é inclusiva agregando diferentes grupos étnicos. A oposição ao nome do Contestado parece nascer de um preconceito contra as populações rurais tradicionais mais pobres e a adoção de um modelo europeizado apaga a diversidade existente no território. A opção pelo “Vale dos Imigrantes” é economicamente ineficaz, pois se trata de vender o que não é representativo e de se desvalorizar o que se possui.
Em terceiro lugar, o processo decisório ignorou as populações, as Câmaras Municipais, as Universidades, os Institutos Federais, as entidades da sociedade civil, pesquisadores, imprensa, os Museus e demais Instituições de Memória de toda a região. A decisão não foi precedida por um debate público efetivo sobre a questão. O argumento de que a pauta da Governança foi deliberada com antecedência é absolutamente insuficiente para resolver o déficit de participação social na deliberação. A descrição de que o nome escolhido foi resultado de um tipo específico de “dinâmica” entre os poucos nomes presentes à reunião, representando apenas 20 dos 50 Municípios da Região é inadmissível, uma vez que a representação além de não contar com a participação de todos os municípios atingidos diretamente pela questão, se restringiu unicamente ao setor do Turismo, excluindo todos os demais setores da sociedade o direito de escolha acerca da denominação da região em que vivem, e que os identifica enquanto sujeitos possuidores de memória e de história. Os representantes que deliberaram eram, em sua maioria, secretários e empresários de Turismo, poucos eleitos por suas comunidades. Trata-se de um desrespeito aos mais de 500 mil habitantes deste território. Foi um equívoco político total.
Desta maneira, como amigos e amigas da população do Contestado, profundamente motivados por compromissos de pesquisa e trabalho que envolvem responsabilidade, respeito e cuidado com as populações que estudamos e acompanhamos há muitos anos, nos somamos a outras Instituições, colegas pesquisadores e entidades da sociedade civil, particularmente ao Fórum de Defesa da Civilização e da Cultura Cabocla e exortamos os órgão públicos de Memória Municipais, Estaduais e Federais, a Assembleia Legislativa de Santa Catarina, o Governo do Estado, a Fundação Catarinense de Cultura e o Instituto do Patrimônio Histórico da União, o Ministério Público Estadual, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina e, nas palavras do monge João Maria, todos os que “são a favor da Justiça e dos que sofrem”, que seja anulada a decisão de denominação da região e que retorne o nome de “Vale do Contestado” a esta bela e acolhedora região.

Florianópolis, novembro de 2019.
Assinam entidades e indivíduos:

*Grupo de Investigação sobre o Movimento do Contestado – CNPq;
*Associação Nacional de História, ANPUH, Núcleo Santa Catarina;
*Observatório da Região e da Guerra do Contestado – UEL;
*Lab. de Geografia, Território, M. Ambiente e Conflito - GEOTMAC – UEL;
*Associação Paulo Freire de Educação e Cultura Popular – APAFEC;
*Biblioteca Comunitária Alisson Zonta, Fraiburgo;
*Conselho de Entidades dos Bairros Nossa Senhora Aparecida e São Miguel, Fraiburgo;
*Escola de Educação e Organização Popular do Contestado;
*Fórum Regional em Defesa da Civilização e Cultura Cabocla;

Prof. Paulo Pinheiro Machado – Depto. de História – UFSC;
Profa. Márcia Janete Espig – Depto. de História – UFPEL , Pelotas;
Prof. Rogério Rosa Rodrigues – Depto. de História – UDESC;
Prof. Delmir José Valentini – Depto. de História – UFFS, Chapecó;
Prof. Alexandre Assis Tomporoski - UnC, Canoinhas;
Prof. Flávio Braune Wiik- Depto. de C. Sociais – Un. Est. Londrina;
Prof. Nilson César Fraga - Geografia - Un. Est. de Londrina;
Prof. Jilson Carlos Souza, Educador e Comunicador Popular, Fraiburgo;
Museóloga Letissia Crestani, Museu do Contestado, Caçador;
Profa. Cristina Dallanora – Doutora em História – UFSC;
Profa. Viviani Poyer  – Universidade Federal Fluminense \ FAPERJ;
Profa. Tânia Welter – Instituto Egon Schaden – São Bonifácio – SC;
Prof. Cleber Duarte Coelho – Depto. de Metodologia de Ensino – UFSC;
Prof. Ancelmo Schörner – UNICENTRO, Irati, Paraná;
Profa. Janaína Neves Maciel – UNIFACVEST, Lages-SC;
Prof. José Carlos Radin – UFFS, Campus Chapecó;
Profa. Alcimara Aparecida Foetsch, UNESPAR, União da Vitória;
Profa. Fernanda Zanotti, Instituto Federal Catarinense, Campus Videira;
Profa. Rita Inês Peixe, IFSC, Campus Itajaí;
Prof. Gabriel Carvalho Kunrath, UFPEL, Pelotas, RS;
Prof. Ricardo Eusébio Valentini, UFRGS, Porto Alegre;
Profa. Natália Ferronato da Silva, UDESC, Prof História;
Prof. Thyago Weingantner de Oliveira Ramos, Rio das Antas;
Prof. Arthur Luiz Peixer, Rio das Antas;
Profa. Karoline Fin, Fraiburgo;
Prof. Matheus Giacomo de Luca, Florianópolis;
Acad. João Felipe Alves de Moraes, UDESC...

Para Assinar: As entidades e indivíduos que quiserem subscrever este documento - que será encaminhado à diferentes autoridades municipais, estaduais e federais – poderão fazê-lo enviando mensagem para o e-mail: centenariocontestado@gmail.com 
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